Para entender, eis o Decreto que gerou toda esta mobilização.
"-= ATENÇÃO: reunião urgente de mobilização e discussão sobre o decreto. Segunda-feira 24/3 às 18hs no Ateliê Compartilhado Casa Amarela (altura da Rua da Consolação, 1075) https://www.facebook.com/events/609544142463090 =-
Como muita gente sabe, a Prefeitura de São Paulo publicou na sexta passada, sem avisar ninguém, um decreto (decreto 54.948, compartilhado nesse post, pode ser encontrado aqui http://bit.ly/1gpOpVf ) para iniciar a regulamentação da lei municipal de artistas de rua (lei 15.776, disponível aqui http://bit.ly/1lTSII6 ).
De cara, já rolou barulho, com matéria na Folha de São Paulo (http://bit.ly/1f2A77y ou http://bit.ly/1dn75Vs para quem não assina a Folha), que infelizmente esclarece pouco sobre as características do decreto (sugestão a jornalistas: forneçam sempre um link curto para a íntegra de leis, decretos e afins). A Veja São Paulo também noticiou: http://abr.ai/1rcv6lu.
Bom, passado todo o barulho e indignação resultantes de aflição com manchetes, que tal uma análise mais fria do decreto e do processo todo?
Para começar, precisamos lembrar do seguinte: nossa sociedade é formada por diversos setores. Tanto o Executivo quanto o Legislativo precisam ouvir TODOS para conseguir conciliar interesses. Obviamente, alguns setores detêm muito mais poder que outros. Quem você acha que tem mais força: o comércio, que rende rios de dinheiro em impostos, ou artistas de rua, que nem fazem coceira nos cofres públicos, mas têm um papel fundamental no ordenamento do espaço urbano e na criação de espaços de convivência? Tire suas próprias conclusões…
Enfim, é importante deixar claro o processo de criação da lei e de sua consequente regulamentação. O projeto de lei foi redigido com base em amplas discussões entre vereadores, artistas de rua e representantes de organizações ligadas ao comércio e à vizinhança de áreas com alta concentração de apresentações de rua (Centro e Paulista). A lei foi votada e sancionada em um prazo relativamente curto (um ano e meio) por conta da pressão de artistas de rua. Uma vez sancionada a lei, foi aberta uma discussão pública a respeito da regulamentação. Foi realizada uma audiência pública e em seguida diversas reuniões. Minutas foram compartilhadas e discutidas online e presencialmente. Foram removidos ou reescritos artigos e itens que pudessem incorrer em excesso de controle por parte do Estado. Mas, obviamente, tivemos de abrir mão de algumas exigências, para conseguir criar um equilíbrio com as demandas que vinham tanto do Executivo quanto das entidades de bairro e de comércio. Em uma última reunião entre artistas, legisladores, representantes da prefeitura e da região central, chegou-se a um consenso a respeito do texto, onde todo mundo abria mão de alguma coisa. Democracia às vezes tem disso: temos de abrir mão em respeito ao próximo. A minuta aprovada, que ainda está passando por algumas mudanças pequenas de redação, pode ser vista aqui http://bit.ly/1fRECkX.
Mas o que nos pegou de surpresa, afinal? Basicamente, dois fatos:
O primeiro foi a notícia de que a Prefeitura decidiu não publicar a minuta como um decreto, deixando para a Secretaria Municipal de Cultura publicá-la como portaria. Para isto, o Gabinete do Prefeito correu e publicou um "decreto-tampão", mais genérico, explicitando que o detalhamento virá por meio de portaria da SeCult, mas definindo de antemão algumas restrições. Que fique claro: ninguém foi avisado que isso ia acontecer. Só aí, já sentimos uma certa decepção com a prefeitura
O segundo foi a nossa interpretação de que este ato possivelmente aconteceu por conta de forte pressão dos setores comerciais presentes no Centro de São Paulo. ATENÇÃO: esta é uma análise nossa e pode não refletir a realidade por completo.
E o que diz o decreto? Bom, vocês podem ler o texto completo aí na imagem que compartilhei, mas eles diz mais ou menos o seguinte:
1. A Secretaria Municipal de Cultura vai publicar uma portaria detalhando melhor como a lei deve ser interpretada e fiscalizada. Esta portaria terá como base a minuta aprovada em consenso;
2. Foram criadas algumas restrições, a pedido da Secretaria de Coordenação de Subprefeituras, para procurar garantir o fluxo da cidade. Fomos contra estas imposições, pois acreditamos na auto-organização da categoria e consequente desenvolvimento de consensos internos a respeito de como artistas de rua devem ocupar o espaço urbano e conviver com o entorno. Eu, pessoalmente, acho que estes itens podem ser usados no futuro para coibir a atividade e fui voto vencido.
Para resumir, o texto fala mais ou menos o seguinte: apresentações não podem acontecer muito perto de locais com alto fluxo (faixas de pedestre, terminais de metrô ou trem, pontos de ônibus ou taxi, orelhões e monumentos), feiras de arte ou artesanato, repartições públicas, escolas ou hospitais.
Isso tudo seria muito bonitinho, não fosse o fato de que tanto Centro quanto Paulista são repletos de tudo isso. Sem falar nas faixas de pedestre, que são usadas por malabaristas com muita consciência da segurança dos pedestres e veículos à sua volta. De repente, me lembrei de um projeto de lei do vereador Marco Aurélio Cunha (PSD, ex-DEM), que queria proibir malabares de fogo e faca por simplesmente achar que era perigoso, sem sequer consultar as pessoas que trabalham com isso (e que treinam MUITO para diminuir o risco para próximo de zero). Ou seja: se a prefeitura quiser achar que a arte de rua tá dando muito trabalho, pode usar todos esses itens como desculpa pra varrer todo mundo pra fora da rua;
3. O decreto assinado por Kassab em 2011 oficialmente passa a deixar de valer;
4. Agora o ponto polêmico, pois depende de interpretação: "atividades previstas" na lei 15.776 precisam de autorização da subprefeitura para acontecer, sendo obrigados a preencherem um cadastro e enviar uma proposta da apresentação. A confusão aqui é que "atividade prevista" pode ser tanto o rol completo de possibilidades de arte de rua, quanto simplesmente as situações que a lei 15.776 prevê como imprescindíveis de autorização (que são as atividades que usam palcos ou estruturas, definido no Art. 1º, item VI da lei 15.776).
Neste quesito, é fundamental a ajuda de advogados para entender qual das duas situações é a que passa a valer com o decreto. Se valer a primeira opção, onde TODO MUNDO precisa pedir autorização e se cadastrar, aí precisamos gritar muito, pois vai totalmente contra a prerrogativa da nossa lei, contra a Constituição Federal e, principalmente, contradiz o posicionamento público que o prefeito Fernando Haddad tem exibido desde a campanha, quando se colocava sempre contra a repressão e controle da arte de rua.
Quais são os próximos passos?
Bom, primeiro, precisamos pressionar a Secretaria Municipal de Cultura a publicar logo a portaria baseada na minuta aprovada há um mês atrás.
Segundo, precisamos nos reunir para analisar e discutir os efeitos desta regulamentação. Ela nos contempla ou vai contra nossos ideais? Devemos aceitá-la ou nos mobilizarmos para chegar mais próximo do que consideramos o ideal?
Além disso tudo, precisamos nos mobilizar para resolver os diversos conflitos que têm surgido no espaço urbano, com disputas de espaço e exageros por parte de alguns artistas.
Não devemos nunca esquecer que nossos direitos são realmente válidos a partir do momento em que respeitamos os direitos dos outros. A arte de rua deve servir para melhorar a convivência no espaço público. Abusos e conflitos podem criar rachas nada saudáveis, além de queimar o filme de toda a categoria.
O momento agora é de união e reflexão. Tenhamos todos muita calma
PS: Quem quiser pode baixar um PDF do decreto, para impressão: http://bit.ly/1f6DmuP
Celso Reeks
"-= ATENÇÃO: reunião urgente de mobilização e discussão sobre o decreto. Segunda-feira 24/3 às 18hs no Ateliê Compartilhado Casa Amarela (altura da Rua da Consolação, 1075) https://www.facebook.com/events/609544142463090 =-
Como muita gente sabe, a Prefeitura de São Paulo publicou na sexta passada, sem avisar ninguém, um decreto (decreto 54.948, compartilhado nesse post, pode ser encontrado aqui http://bit.ly/1gpOpVf ) para iniciar a regulamentação da lei municipal de artistas de rua (lei 15.776, disponível aqui http://bit.ly/1lTSII6 ).
De cara, já rolou barulho, com matéria na Folha de São Paulo (http://bit.ly/1f2A77y ou http://bit.ly/1dn75Vs para quem não assina a Folha), que infelizmente esclarece pouco sobre as características do decreto (sugestão a jornalistas: forneçam sempre um link curto para a íntegra de leis, decretos e afins). A Veja São Paulo também noticiou: http://abr.ai/1rcv6lu.
Bom, passado todo o barulho e indignação resultantes de aflição com manchetes, que tal uma análise mais fria do decreto e do processo todo?
Para começar, precisamos lembrar do seguinte: nossa sociedade é formada por diversos setores. Tanto o Executivo quanto o Legislativo precisam ouvir TODOS para conseguir conciliar interesses. Obviamente, alguns setores detêm muito mais poder que outros. Quem você acha que tem mais força: o comércio, que rende rios de dinheiro em impostos, ou artistas de rua, que nem fazem coceira nos cofres públicos, mas têm um papel fundamental no ordenamento do espaço urbano e na criação de espaços de convivência? Tire suas próprias conclusões…
Enfim, é importante deixar claro o processo de criação da lei e de sua consequente regulamentação. O projeto de lei foi redigido com base em amplas discussões entre vereadores, artistas de rua e representantes de organizações ligadas ao comércio e à vizinhança de áreas com alta concentração de apresentações de rua (Centro e Paulista). A lei foi votada e sancionada em um prazo relativamente curto (um ano e meio) por conta da pressão de artistas de rua. Uma vez sancionada a lei, foi aberta uma discussão pública a respeito da regulamentação. Foi realizada uma audiência pública e em seguida diversas reuniões. Minutas foram compartilhadas e discutidas online e presencialmente. Foram removidos ou reescritos artigos e itens que pudessem incorrer em excesso de controle por parte do Estado. Mas, obviamente, tivemos de abrir mão de algumas exigências, para conseguir criar um equilíbrio com as demandas que vinham tanto do Executivo quanto das entidades de bairro e de comércio. Em uma última reunião entre artistas, legisladores, representantes da prefeitura e da região central, chegou-se a um consenso a respeito do texto, onde todo mundo abria mão de alguma coisa. Democracia às vezes tem disso: temos de abrir mão em respeito ao próximo. A minuta aprovada, que ainda está passando por algumas mudanças pequenas de redação, pode ser vista aqui http://bit.ly/1fRECkX.
Mas o que nos pegou de surpresa, afinal? Basicamente, dois fatos:
O primeiro foi a notícia de que a Prefeitura decidiu não publicar a minuta como um decreto, deixando para a Secretaria Municipal de Cultura publicá-la como portaria. Para isto, o Gabinete do Prefeito correu e publicou um "decreto-tampão", mais genérico, explicitando que o detalhamento virá por meio de portaria da SeCult, mas definindo de antemão algumas restrições. Que fique claro: ninguém foi avisado que isso ia acontecer. Só aí, já sentimos uma certa decepção com a prefeitura
O segundo foi a nossa interpretação de que este ato possivelmente aconteceu por conta de forte pressão dos setores comerciais presentes no Centro de São Paulo. ATENÇÃO: esta é uma análise nossa e pode não refletir a realidade por completo.
E o que diz o decreto? Bom, vocês podem ler o texto completo aí na imagem que compartilhei, mas eles diz mais ou menos o seguinte:
1. A Secretaria Municipal de Cultura vai publicar uma portaria detalhando melhor como a lei deve ser interpretada e fiscalizada. Esta portaria terá como base a minuta aprovada em consenso;
2. Foram criadas algumas restrições, a pedido da Secretaria de Coordenação de Subprefeituras, para procurar garantir o fluxo da cidade. Fomos contra estas imposições, pois acreditamos na auto-organização da categoria e consequente desenvolvimento de consensos internos a respeito de como artistas de rua devem ocupar o espaço urbano e conviver com o entorno. Eu, pessoalmente, acho que estes itens podem ser usados no futuro para coibir a atividade e fui voto vencido.
Para resumir, o texto fala mais ou menos o seguinte: apresentações não podem acontecer muito perto de locais com alto fluxo (faixas de pedestre, terminais de metrô ou trem, pontos de ônibus ou taxi, orelhões e monumentos), feiras de arte ou artesanato, repartições públicas, escolas ou hospitais.
Isso tudo seria muito bonitinho, não fosse o fato de que tanto Centro quanto Paulista são repletos de tudo isso. Sem falar nas faixas de pedestre, que são usadas por malabaristas com muita consciência da segurança dos pedestres e veículos à sua volta. De repente, me lembrei de um projeto de lei do vereador Marco Aurélio Cunha (PSD, ex-DEM), que queria proibir malabares de fogo e faca por simplesmente achar que era perigoso, sem sequer consultar as pessoas que trabalham com isso (e que treinam MUITO para diminuir o risco para próximo de zero). Ou seja: se a prefeitura quiser achar que a arte de rua tá dando muito trabalho, pode usar todos esses itens como desculpa pra varrer todo mundo pra fora da rua;
3. O decreto assinado por Kassab em 2011 oficialmente passa a deixar de valer;
4. Agora o ponto polêmico, pois depende de interpretação: "atividades previstas" na lei 15.776 precisam de autorização da subprefeitura para acontecer, sendo obrigados a preencherem um cadastro e enviar uma proposta da apresentação. A confusão aqui é que "atividade prevista" pode ser tanto o rol completo de possibilidades de arte de rua, quanto simplesmente as situações que a lei 15.776 prevê como imprescindíveis de autorização (que são as atividades que usam palcos ou estruturas, definido no Art. 1º, item VI da lei 15.776).
Neste quesito, é fundamental a ajuda de advogados para entender qual das duas situações é a que passa a valer com o decreto. Se valer a primeira opção, onde TODO MUNDO precisa pedir autorização e se cadastrar, aí precisamos gritar muito, pois vai totalmente contra a prerrogativa da nossa lei, contra a Constituição Federal e, principalmente, contradiz o posicionamento público que o prefeito Fernando Haddad tem exibido desde a campanha, quando se colocava sempre contra a repressão e controle da arte de rua.
Quais são os próximos passos?
Bom, primeiro, precisamos pressionar a Secretaria Municipal de Cultura a publicar logo a portaria baseada na minuta aprovada há um mês atrás.
Segundo, precisamos nos reunir para analisar e discutir os efeitos desta regulamentação. Ela nos contempla ou vai contra nossos ideais? Devemos aceitá-la ou nos mobilizarmos para chegar mais próximo do que consideramos o ideal?
Além disso tudo, precisamos nos mobilizar para resolver os diversos conflitos que têm surgido no espaço urbano, com disputas de espaço e exageros por parte de alguns artistas.
Não devemos nunca esquecer que nossos direitos são realmente válidos a partir do momento em que respeitamos os direitos dos outros. A arte de rua deve servir para melhorar a convivência no espaço público. Abusos e conflitos podem criar rachas nada saudáveis, além de queimar o filme de toda a categoria.
O momento agora é de união e reflexão. Tenhamos todos muita calma
PS: Quem quiser pode baixar um PDF do decreto, para impressão: http://bit.ly/1f6DmuP
Celso Reeks