Texto de Matheus José Maria - repórter fotográfico.
Certos
dias você já sabe como serão só pela forma que eles começam.
Saindo
de Santos para ir realizar a cobertura do protesto contra a presidente Dilma,
já no carro conheci um garoto que estava indo também, mas com o propósito de
protestar. Não vou discordar do direito dele fazer isso – algo incontestável -,
mas não perderei muito tempo nessa história já que em um dado momento da
conversa ele diz “Vamos tirar a Dilma e,
se o Maluff se candidatar eu voto nele, porque ele rouba, mas pelo menos faz”.
Acho que
isso diz muito sobre o povo brasileiro e seus costumes... Enfim, que o Maluff
não se candidate novamente.
Bom, eis
que chego em São Paulo e a rodoviária do Jabaquara já está tomada por gritos,
apitos e camisas da CBF (nem durante a copa vi tantos “torcedores” juntos) que
se dirigiam aos gritos em direção ao metrô.
Entro,
com dificuldade no vagão lotado e dentro dele, os gritos de Dilma filha da
puta, vai tomar no cú se fazem ouvir em alto e bom som.
Desço na
estação Praça da Árvore para encontrar outro amigo e também fotojornalista, o
Gabriel Chaim. Do momento em que desci e ele chegou, passaram três outras
composições até que entramos em outro vagão, mas com o mesmo recheio.
Crianças
carregadas pelos pais, idosos com os rostos pintados e usando todo o
vocabulário adquirido ao longo de suas vidas e garotas desfilando a última moda
em questão de protestos (uma camiseta coberta de lantejoulas que formavam a
bandeira do Brasil). Quando chegamos à estação Paraíso, onde descemos para
trocar de metrô e seguir em direção a Av. Paulista, eis que escuto a frase de
um senhor de cabelos brancos: “Hoje não
deviam cobrar o metrô. Deveria ser catraca livre!” Isso me fez pensar de
imediato nos protestos contra os 0,50 centavos onde os manifestantes foram
recriminados exatamente por pedir a mesma coisa.
Trocamos
de linha e seguimos até chegar à estação Trianon – Masp e já de dentro da
estação era possível escutar o barulho da manifestação.
A
Avenida Paulista estava completamente tomada, era gente chegando de todos os
lados e ocupando toda sua extensão.
Se
locomover era extremamente difícil e com um pouco de esforço consegui subir em
um trio-elétrico para ter uma visão melhor da extensão do protesto. Era um mar
nas cores verde e amarelo que me fez pensar em que tipo de associação fizeram
essas pessoas, para destacar seu patriotismo, usar a camisa da seleção
brasileira, ligada a CBF que também é um ícone da corrupção nacional.
Em cima
do trio elétrico, encontro outro fotojornalista famoso que escreve para uma
coluna em um grande jornal de São Paulo que sorria satisfeito e me disse “Que
lindo isso”. Ao lado, duas pessoas vestidas com roupas de presidiário e
máscaras do Lula e da Dilma montaram uma grade de madeira e simulavam a prisão
dos dois.
Desci do
trio e segui pelo meio da multidão.
Várias
mãos carregando latas de cerveja. Corpos sarados desfilando sem camisa exibindo
a última tatuagem feita. Rostos maquiados e cabelos bem cuidados. Abercombrie,
La Coste, D&G, Apple e outras marcas. Selfies em todos os lugares, poodles
e outras raças de pequeno porte no colo. Estou dizendo que todos eram assim?
Não, não estou. Seria uma leviandade achar que posso generalizar um movimento
com tantas pessoas, mas me atrevo a dizer que era uma grande parte, senão a
maioria.
Ao
caminhar escutava as coisas mais absurdas e aqui, reproduzo algumas frases que
ouvi:
- “ O
que falta para tomarmos uma atitude? Esperar que vaze um vídeo de sexo com
crianças? Não, isso não vai aparecer então temos que agir ” – Um
manifestante do alto do trio-elétrico falando sobre a necessidade de agir
contra o PT.
- (som de aplausos
conforme policiais da tropa de choque passavam e eram saudados com continências
por alguns manifestantes) – “ Isso é um exemplo de protesto direito, feito de
forma ordeira e pacífica “ – Resposta de um policial quando
perguntei o que ele achava disso.
- “ Tira essa
mochila vermelha, tá querendo apanhar comunista? –
Manifestante nitidamente alcoolizado (e segurando uma lata de cerveja nas mãos)
gritando para uma pessoa que passou por ele, sem camisa, mas com uma mochila
nas cores vermelha e preta.
- “ Fiz uma aposta
com um amigo e disse que não acreditava que fosse ter tanta gente assim no
protesto. Perdi com prazer e agora devo a ele um jantar em Punta del Este. “ –
Manifestante falando ao microfone, em cima de um trio-elétrico.
-
“A Dilma com certeza cortou o 3G para
não deixar falar dela “ – Fala de um manifestante irritado por não
conseguir conectar seu celular.
Essas
falas e demonstrações mostram o tom que predominava nessa manifestação.
Continuando
a circular, me deparo com um grupo de adolescentes
segurando um cartaz onde era feito um agradecimento ao exército pelo golpe de
1964 e por isso, ter livrado o Brasil da ameaça comunista. Eu tenho quase
36 anos e sei muito pouco a respeito da ditadura militar, mas o pouco que sei
me faz temer e repudiar seu retorno e assim eu pergunto: O que garotos, cuja
maior preocupação deve ser qual o novo modelo de celular vai ser lançado e não
tem mais que 16 anos, sabem sobre isso?
Mais
a frente, uma bagunça em uma esquina e me aproximando vejo Danilo Gentilli, fazendo a festa dos fãs com fotos, selfies, beijos
e abraços.
Que
fique claro, mais uma vez, que isso foi o que eu vi e não uma generalização
impossível de se fazer dado o número de pessoas que lá estavam.
Encontramos
com outro colega fotojornalista (Wesley Passos) que junto de nós, seguiu até a
rua da Consolação.
Nela,
ouviam-se as buzinas de diversos caminhões que aderiram ao protesto e
manifestavam sua opinião e apoio aos manifestantes.
Descendo
pela rua, vi o que, para mim, foi a cena mais bizarra, triste e revoltante de
todo o ato.
Em
uma ocupação localizada na Consolação, um grupo de moradores fixaram uma faixa
com os dizeres: Que os ricos paguem pela crise. Total apoio à greve dos (as)
professores (as). Nenhuma menção ao PT, à presidente Dilma, à Petrobrás, enfim,
nenhuma declaração de apoio aos monstros que estavam sendo caçados pela
população ali presente.
Isso
bastou para que ofensas tais como vagabundos, petistas, miseráveis,
bandidos, pobres, filhos do bolsa miséria, filhos da puta e outros fossem dirigidas a eles. No grupo que
ali parou havia idosos, jovens, mulheres e skin heads. Uma das manifestantes
gritando que eles gostavam de mamar nas tetas do governo tirou seu seio e
gritou para que então, mamasse ali. Um dos skin heads socou a porta de aço da
casa e desafiou os fotógrafos a fotografá-lo. Enquanto isso, eu, o Chaim e o
Wesley, junto de mais outro fotógrafo e dois jovens que ali estavam, nos
posicionamos na porta da casa de modo a evitar uma possível tentativa de
invasão. Alguns manifestantes chegavam perto e gritavam outras ofensas e os
desafiavam a sair lá de dentro e encará-los.
Porque?
A luta pela moradia e o apoio aos professores é um crime tão grande que
justifica essa ação tão cheia de ódio? Talvez seja o corporativismo já que ali,
provavelmente, várias pessoas eram donas de seus próprios imóveis e, como um
jovem gritou “aí não é casa de vocês, não invadam o que é dos outros”.
Continuando
pela rua, parecia que o grupo de pessoas havia se tornado um touro furioso, que
investia contra qualquer pessoa que tivesse a ousadia de colocar uma bandeira
vermelha na janela de seu apartamento. De imediato pensei em um touro correndo
atrás da bandeira, pronto a atacar sem sequer saber por que fazia isso
exatamente.
“Pula, pula, pula!!!!” era o que eles gritavam. Uma
divergência política foi o suficiente para desejar a morte a um completo
desconhecido.
Essa
parte do protesto seguiu e se encerrou na Praça da República, onde pessoas
estenderam faixas azuis, verdes e amarelas pela avenida. Dizem que outros
grupos se espalharam por outros pontos de São Paulo e pouco a pouco foram indo
embora até que a cidade voltou a ter sua respectiva coloração cinza concreto.
Gostaria
de deixar claro que esse é um relato completamente pessoal, baseado no que eu
vi e destacando as coisas que mais me chocaram no ato deste domingo 15 de
março. Foi um protesto pacífico? Sim, até onde eu sei não houve incidentes
envolvendo violência física ou depredação. Mesmo sendo nitidamente um protesto
composto por uma parcela mais abastada da sociedade, não questiono em momento
algum o direito deles irem às ruas e defendo a liberdade deles se manifestarem,
mas é preciso que se preste atenção na ausência de uma consciência política
embasada, do ódio cego e seletivo – afinal, o cartel do metrô tá aí. Ops não tá
mais, foi arquivado – dirigido à apenas uma pessoa, partido, cor ou extrato
social.
Se eu
concordo com as reinvidicações? Não com as que eu vi ali, mas concordo com a
necessidade de ser feita justiça ou, pelo menos, se fazer valer a justiça no
país, de forma igualitária.
E se não
ficou claro o que eu penso sobre esse protesto eu digo: Não penso nada, vou
tentar esquecer...
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