domingo, 24 de março de 2013

ANÁLISE DE LUIZ CARLOS MOREIRA SOBRE A ELEIÇÃO DA COOPERATIVA PAULISTA DE TEATRO 2013

ANÁLISE DE LUIZ CARLOS MOREIRA SOBRE A ELEIÇÃO DA COOPERATIVA PAULISTA DE TEATRO FARINHA POUCA, MEU PIRÃO PRIMEIRO ou ATIRANDO NO PRÓPRIO PÉ Luiz Carlos Moreira autor/diretor teatral Cia. Engenho Teatral Não há vencedores. Perdemos todos. Já perdemos todos. Estou falando do processo eleitoral da Cooperativa Paulista de Teatro que, no máximo, evidencia e acentua nossa despolitização. Sei que minha voz é mais uma mergulhada nesse atoleiro. Portanto, não deixa de ser apenas uma voz desesperada em busca de uma compreensão racional e de uma luz no fim do túnel. O companheiro Alexandre Krug tem cobrado das duas chapas as verdadeiras diferenças que estariam postas em conversas reservadas, nunca em público. Deduzo que ele se refere a falas – de integrantes das duas chapas – que afirmam que a Acordes representa uma aliança com o PT e que este teria barrado o nome da Fernanda (Berro) e imposto o nome do Dorberto (Acordes), o que teria impedido uma composição. As mesmas conversas dizem que o PT já estaria até disposto a aumentar o orçamento do Fomento ao Teatro se a Acordes ganhar, mas estrangularia os cofres se a Berro vencer. Simplificações e ingenuidades à parte (não do Krug), por esse caminho chegaremos ao diz-que-diz ou a fatos que indicariam como as coisas se deram mas não porque se deram dessa maneira. Poderíamos julgar mas não compreender. Em textos e ocasiões diferentes, Sergio Carvalho e Marco Antonio Rodrigues apontam para o retrocesso de nossas discussões acerca de política pública, mercantilização e estética, reduzidas à disputa pela sobrevivência, isto é, pelas migalhas que sobram dos cofres públicos (o que não é pouco, é legítimo e necessário, mas insuficiente e, talvez, “burro”, se não formos além, como cobram os companheiros citados). Creio que é um ponto de partida mais sólido para discutir essas eleições. Questões que as eleições colocam Questões que as eleições escondem A partir do que está explícito no papel, em sites ou nas falas públicas das chapas, somos obrigados a garimpar, nas entrelinhas, o que está implícito, isto é, o que não foi dito abertamente mas aponta para deduções que se impõem (e aí sempre há um espaço para “não foi isso que eu quis dizer”, “não é bem assim”, “você está distorcendo”...). Mas os pronunciamentos em favor de uma das chapas e o comportamento de torcida no triste debate do dia 19 de março não deixam dúvidas sobre os termos da disputa. Vamos a eles. Quem não ouviu a ‘brincadeirinha’: “você vai votar neles, que fazem reserva de mercado, ou em nós, que lutamos por todos”? Quem não sabe que uma chapa é pela diversidade estética e a outra pela imposição de uma linguagem única? Quem não sabe que uma chapa está aberta ao diálogo, a ouvir todos o tempo todo, enquanto a outra quer impor velhos e surrados chavões? Quem não sabe que uma chapa é radical, esquerdista, isto é, é contra o diálogo com o governo e a outra é aberta, favorável a esse diálogo? Quem não ouviu que uma chapa representa a mudança de um Conselho Administrativo burocrático, não transparente, e a outra a manutenção disso? Saberes que, sem dúvida, exigem uma provocação irônica: quem não sabe, enfim, que nossos inimigos são nossos companheiros e nosso amigo é o governo? Para muitos, essa provocação seria uma “jogadinha”, mas as outras seriam “verdades”, não ideologia e marketing. Não mesmo? De qualquer forma, são esses os termos da disputa. E isso é despolitizador porque não enfrenta as verdadeiras questões. A título de exemplo, faço alguns comentários sobre as duas primeiras “questões”. Quem não ouviu a ‘brincadeirinha’: “você vai votar neles, que fazem reserva de mercado, ou em nós, que lutamos por todos”? Quem não sabe que uma chapa é pela diversidade estética e a outra pela imposição de uma linguagem única? Essas falas usam e abusam de um velho sentimento: a de que são sempre os mesmos grupos que ganham todos os editais, particularmente o Fomento. E isso se deve a manipulações, privilégios e, mais recentemente, à imposição de um teatro “político” e da periferia em detrimento dos outros; a diversidade estética estaria acuada por um pensamento único, totalitário. A Chapa Acordes viria prá acabar com isso. A Berro representaria a continuidade disso. Para não ir muito longe: nos últimos anos (na verdade, isso é muuuuiiito velho), muitos de nós passaram a acreditar que existe um teatro político (ruim, não é teatro, usa o teatro) e um teatro de pesquisa formal (bom; é teatro, não política). E que o primeiro estaria sufocando o segundo e, portanto, o próprio Programa de Fomento, já que ele se destinaria a projetos de pesquisa. A partir daí, está feita a briga entre nós, entre a “diversidade” do teatro e a “estreiteza” política que usa o teatro. Essa visão ideológica se transforma em verdade e acaba publicada no próprio livro que comemora os 10 anos de Fomento! E ninguém diz nada!!! Curto e grosso: o Fomento não é para projetos de pesquisa; é para projetos de trabalho continuado. E não é para qualquer projeto de trabalho continuado. É para projetos de trabalho continuado de pesquisa e produção. Isso mesmo: de produção; ao contrário do que estamos dizendo há anos, um projeto não pode ser desqualificado só porque seu Plano de Trabalho se destina à produção de um espetáculo. De novo: o que está em jogo é um projeto de trabalho continuado (de pesquisa e produção) que visa o desenvolvimento do teatro e o melhor acesso da população ao mesmo. E o que significa isso tudo, mesmo? Uma resposta da moda, há mais de ano, e que hoje se projeta nas eleições, é a balela da “pesquisa” que estaria sendo soterrada pela “política” ou pelo “teatro da periferia”, pela tal “reserva de mercado”. “Agora chegou a nossa vez de acabar com eles”, delira a torcida. Seria por isso que o União e Olho Vivo ou o Teatro Studio Heleny Guariba (ex-Studio 184) não são contemplados há várias edições, porque eles são manifestamente “políticos” e, portanto, “ruins” esteticamente? E os critérios de qualidade aplicados a um Tapa servem também para um União e Olho Vivo? (De forma bem simplista, que é o que cabe aqui: existem projetos explicitamente “políticos”, seja pelos seus conteúdos ou intenções manifestas; existem projetos que se dizem explicitamente à margem da política, seja pelos seus conteúdos aparentes ou por suas manifestas intenções. Mas, além das intenções e conteúdos explícitos, não existe teatro sem forma e forma sem conteúdo, unidade que tem, sempre, um sentido político. Conceitualmente, a divisão – obra política, obra formal – não se sustenta, é mero discurso ideológico centrado na aparência e, quase sempre, serve à hegemonia para calar a minoria.) Já em documentos lidos e discutidos nos primeiros 5 anos de implantação do Fomento, o Arte Contra A Barbárie levantava dados estatísticos que demonstravam que essas afirmações – “são sempre os mesmos” – não eram verdadeiras. O sentimento ilustrava outra questão: o Fomento ainda é concorrência, o que significa que não contempla todos (o que é diferente de afirmar que contempla sempre os mesmos – isso os números desmentem, o que não é, necessariamente, bom, pois derruba a tese da continuidade). Como se vê, a discussão tem que ir longe, cada vez mais longe, no limite há que se discutir mercado (capitalismo), arte, profissionalização, indivíduo, classe, Estado, democracia popular, social-democracia, comunismo, neoliberalismo... A saída não é simplesmente transformar o programa num pires de INSS a distribuir um pouco para cada um ou “você já ganhou, agora é a minha vez”. Atendo-se, propositalmente, à questão específica, o Arte Contra A Barbárie alertava: se os grupos de teatro não conquistarem uma relevância estética, cultural, social, política dentro da sociedade que lhes permita ampliar o programa para mais grupos, e se o Programa de Fomento continuar isolado e não conseguirmos outros programas, então ele morrerá, não pelas mãos dos governos, mas pelas nossas próprias mãos. Daí a tentativa do Fundo Estadual de Arte e Cultura (que não era só para teatro). Daí a tentativa do Prêmio Teatro Brasileiro (que não é só para grupos, mas para artistas independentes e pequenos produtores). Daí as teses de que uma política pública não deveria se restringir a um único plano ou programa, mas a um tripé: programaS, fundos e ações de governo; de que deveria servir para organizar a criação e não o Estado, desde que essa criação e seus criadores fossem de interesse público (a política se volta para a sociedade e não para a corporação de ofício); de que a mercantilização neoliberal sufocava a cultura... Mas, desde 2002 (e não a partir da segunda ocupação da Funarte, como sugerem algumas falas), perdemos em todas essas frentes. Na luta pela sobrevivência, deixamos de pensar política com “P” maíúsculo, política pública, estética... Há muito deixamos de pautar os governos; há muito somos pautados por eles e corremos a apagar incêndios. Há mais de meia década, quando o governo federal baixou um decreto criando um Sistema Federal de Cultura, o discurso desses gestores já era o mesmo de gestores estaduais e municipais, de qualquer partido, e ficou claro: o Estado estava se organizando. Hoje, não fazemos outra coisa a não ser correr atrás da burocratização do Fomento e da legislação fiscal, a correr para responder ao Procultura, ao Sistema Nacional de Cultura, à Plenária não sei das quantas, ao Fundo, à economia criativa, à autossustentabilidade... E o que realmente sabemos disso tudo? Qual a visão que temos de Estado (não estou falando de governo), de política pública? Prá quê, mesmo, serve nosso trabalho? Isso depende dos nossos desejos e crenças? O que discutimos sobre profissão, trabalho alienado e grupo teatral? E a questão da continuidade? A bola da vez ainda é política pública? Vamos organizar o Estado? Com qual pauta? Plano Municipal, Estadual e Nacional de Cultura? Prêmio Teatro Brasleiro? Fomento? Grupo? Por quê? Prá quem? E...? Qual é, enfim, a nossa pauta? A campanha eleitoral não permitiu que essas questões fossem discutidas. Frente à perda de rumo e ao enquadramento que o mercado e seu Estado nos impõem, o que temos a dizer? Que o problema são nossos companheiros sectários, que o problema é a administração da Cooperativa, que… Sorrisos montados e ar de bom mocismo, jogo de cena, não convencem: no sufoco, estamos a ponto de sair no tapa; se a farinha é pouca, meu pirão primeiro. E nem sabemos direito porquê. Forçoso reconhecer que a Chapa Acordes tem grande responsabilidade nessa história. Afinal, o que significa ouvir todos? Que a Cooperativa tem que dar espaço aos racistas, homofóbicos, fascistas? Aí vão dizer que estou “forçando a barra”, que não é nada disso e todo mundo sabe que não é nada disso. Eu também sei, mas fica evidente (e ficou evidente na campanha) que não é para todos, é apenas um slogan de campanha que não inclui os “velhos discursos de sempre” e nem mesmo aqueles que têm posições e as defendem apaixonadamente, pois isso, de antemão, é ser raivoso e, no limite, “inumano”. Até a humanidade de companheiros é anulada por um discurso “doce” que propõe ouvir todos mas massacra, publicitariamente, o outro, o diferente, o radical, o inimigo interno. Entendo que a campanha foi jogo de cena entre bonzinhos e mauzinhos, entre o “velho” e o “novo”. Logo, como toda campanha publicitária, nada esclarece, apenas canaliza e materializa ressentimentos e desejos, sem espaço para compreendê-los e discuti-los. A geleca de que você tem que estar aberto a tudo e todos, ao diálogo, etc., se evidencia falsa, é marketing em tudo e por tudo semelhante às musiquinhas de fim de ano com o elenco risonho e sedutor da Rede Globo. Independentemente das boas intenções (e eu ainda quero acreditar nelas) dos acordes, o resultado é desafinado, o tiro sai no pé ao abrir a temporada de caça ao outro, aquele que é culpado por impedir a realização de meus desejos (de onde eles vêm, mesmo?). Nesse contexto, não há debate político, não há conversa razoável, não há entendimento. O que resta é a torcida entre acordo e acorde harmônico contra o inimigo raivoso que quer apenas impor suas posições de antemão sectárias e, portanto, elas sim, de antemão divisionistas. E a platéia ainda aplaude e ainda pede bis Prá mim, essa foi uma campanha de discursos ideológicos, portanto, despolitizadora. Essa foi uma campanha de imagens que, longe de levantar as verdadeiras questões e discutir caminhos para enfrentá-las, denunciou culpados, promove uma caça às bruxas e nos divide. E agora, o que fazer? Krug sugeriu a retirada das 2 chapas e a eleição nominal para que os mais votados assumam a administração da Cooperativa. E ninguém disse nada. Confesso que também pensei na dissolução das 2 chapas, não no processo de eleição individual que ele propõe, mas é só olhar em volta para perceber o desastre: isso é golpe, é contra o processo eleitoral, é... Como se uma assembléia pudesse dar um golpe em si mesma. (A propósito, uma informação aos mais novos: isso já aconteceu numa eleição da Cooperativa, a assembléia destituiu as 2 chapas e, pelo voto, definiu uma nova composição). Mas a questão tem também um lado privado e não menos trágico: somos amigos, dizem o Fábio e o Rudi, você conhece meu pai, mágico, lembra Thiago. Talvez tenha sido verdade um dia, mas ali, naquela cena da noite de 19 de março travestida de debate... Enfim, o nervosismo e a irritação com que Maysa Lepique tentava questionar o Paulo Celestino, seu parceiro de direção na Cooperativa, dá uma idéia do que poderá vir se juntarmos esses amigos numa mesma diretoria. Foi a isso que chegamos. Esses foram os grandes avanços para nossa compreensão e organização frente ao mercado e seu Estado que nos sufocam. No debate rebaixado, se formos mesmo obrigados a optar entre as 2 chapas, por tudo que escrevi acima, fica claro meu voto: vai para a Chapa Berro, que tentou politizar a campanha e não conseguiu. Já estava, de antemão, julgada, culpada e demonizada: era o bode expiatório de nossos ressentimentos e derrotas. Essa distorção ideológica foi o eixo de campanha da Chapa Acordes, mesmo que fossem outras as intenções de seus componentes. Mostrou-se, portanto, menos preparada politicamente para as questões que deverá enfrentar. De qualquer forma, não há vencedores. Perdemos todos. Já perdemos todos. São Paulo, 23 de março de 2013

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