Fonte: Blog do Euler
Numa tarde emocionante, educadores de Minas votam pela continuidade da greve
A foto é da nossa colega Cristina, que registra um momento da nossa Assembléia.
Uma tarde emocionante a que vivemos hoje, é o mínimo que se consegue exprimir com palavras. Havia um clima de suspense no ar, pois durante todo o final de semana e no começo desta, a imprensa bombardeou a comunidade com a informação de que a greve ia acabar.
Antes de entrar propriamente nos detalhes da nossa maravilhosa assembléia, seria importante recuperar o histórico do final de semana, até como aprendizado para todos nós. Então vamos lá.
Num encontro de trabalhadores do qual participei na última sexta-feira havia uma divisão entre a manutenção da greve e a suspensão temporária da mesma. A própria direção sindical, que recebera um informe jurídico que não nos favorecia, deixava transparecer um receio em relação ao que podia acontecer em caso de demissões dos trabalhadores em greve e por isso chegou a cogitar de uma mudança de estratégia.
Nós próprios, também impactados pelos informes da direção, chegamos a considerar a possibilidade de um recuo estratégico, embora tivéssemos alertado: algo assim só teria sentido se a categoria em assembléia tivesse convencida de sua eficácia e se o governo desse claras demonstrações de que estava disposto a negociar.
Foi um final de semana com grande pressão, da mídia de um lado, dos temores em relação ao futuro do movimento do outro, e o receio, enfim, que esta belíssima greve chegasse ao fim de forma desarticulada, colocando a perder tudo o que acumulamos nestes 40 dias.
O governo, por sua vez, contava com a decretação providencial da ilegalidade da greve, do controle que mantém sobre a mídia e jogava ainda com as ameaças de demissões. Nos cálculos do governo, a greve terminaria nesta terça-feira. Estava tudo combinado: o governo, a imprensa, a Fepaemg e, julgavam eles, até uma parte da direção já estaria decidida a trabalhar pelo fim da greve.
Faltou só um pequeno detalhe, que aqui me faz lembrar, em véspera de Copa do Mundo, um episódio envolvendo o ex-técnico de um das melhores equipes que a Seleção brasileira já teve, João Saldanha. Certa vez, numa partida Brasil x Rússia, apresentaram toda uma tática de ataque contra o time adversário ao grande técnico Saldanha. E ele respondeu ironicamente mais ou menos assim: "Está tudo muito bem, falta só combinar com os jogadores da Rússia".
Pois é! Faltaram ao governo e à imprensa combinar com aqueles que decidem o início ou o fim da greve: os 10 ou 15 mil trabalhadores em assembléia.
Já na segunda-feira à tarde, numa reunião com o comando de greve das cidades de Vespasiano e São José da Lapa eu pude sentir verdadeiramente o clima e a disposição de luta dos companheiros. Mesmo ciente de todos os riscos que corremos, a decisão majoritária, quase unânime dos presentes foi: a greve precisa continuar, não dá para recuar, precisamos arrancar uma conquista salarial expressiva, pois senão o movimento acaba e dificilmente nós faremos outro movimento deste porte.
Durante a nossa reunião, os companheiros de uma subsede próxima da nossa telefonaram dizendo que também haviam decidido pela manutenção da greve. E vários e-mails começaram a chegar. E mensagens no blog. Na segunda-feira à noite eu já havia percebido: ninguém segura a disposição de continuidade da greve. Tanto que escrevi um texto falando sobre uma surpresa que o governo poderia ter que amargar na assembléia de terça (hoje). E não deu outra.
Mas, ainda na segunda-feira pela manhã, os diretores das escolas foram chamados pelas superintendências regionais para que preparassem tudo, pois as aulas retornariam na quarta-feira. Era, ainda usando a linguagem futebolística, o clima do já ganhou em véspera de clássico. Quando a partida começou, a goleada disparou: 20 mil a zero pela continuidade da greve!
Entrevista à TV Assembléia
Assim que chegamos ao pátio da ALMG, nossa combativa turma de São José e de Vespasiano, o pessoal de verde-abacate, foi procurada pelos repórteres da TV Assembléia. Como João Martinho, um dos grandes líderes deste movimento, não estava por perto, o pessoal passou a bola pra mim, e eu marquei três gols de placa. O repórter queria saber as reivindicações e o que o governo havia proposto. Eu disse: 1) a não demissão de nenhum educador em greve, 2) o não corte dos dias parados, e 3) o pagamento do piso ou algo que se aproxime do nosso piso. Sem essas três reivindicações, não voltamos a trabalhar. O governo está intransigente, então, a greve deve continuar.
Em seguida tive algumas surpresas agradáveis. Pessoas de diferentes cidades, que lêem o nosso blog, como foi o caso de duas companheiras de Mutum - um abraço aos bravos educadores de Mutum - entraram em contato comigo. Impressionante como o blog conseguiu assumir uma grande responsabilidade na divulgação da nossa greve. Uma outra companheira, Eliane, que escreve sempre nos comentários do blog, veio me abraçar. Ainda uma outra companheira, da Conlutas, veio puxar minha orelha, dizendo que num dos textos eu havia dado uma recuada. E várias outras pessoas que conheciam o blog mas não me conheciam pessoalmente manifestaram opinião sobre os textos que publicamos. Que bom que nosso blog se tornou mais um dos muitos instrumentos de informação e de união até dos educadores que estão em greve. Se a imprensa amordaçada não faz a sua parte, estamos construindo outros mecanismos para suprir esta lacuna.
A Assembléia começa
O início da assembléia, como sempre com os informes da direção, desta vez foi marcado por uma certa tensão. A companheira Beatriz, coordenadora geral do Sind-UTE explicou os andamentos das negociações com o governo. Foi sincera em reconhecer que a direção chegou a cogitar uma suspensão temporária da greve em troca de um compromisso por escrito do governo de negociar os três pontos que eu mencionei acima. Mas, não houve um retorno satisfatório por parte do governo. Beatriz tem se destacado como liderança, adquirindo confiança das bases - ou de uma parcela muito expressiva destas. Ela se comunica bem com as pessoas e tem sido sincera em relação ao que faz e ao que defende.
Por outro lado, alguns setores da oposição sindical, especialmente os companheiros do Conlutas, criticaram a direção por aquilo que consideraram um equívoco - a intenção de suspender a greve - e defenderam a continuidade da greve. Mas, nessa altura, já ninguém mais - direção ou oposição - defendiam outra proposta que não fosse a manutençãoda greve. A greve tem lidado bem com as divergências ideológicas e de encaminhamentos. É preciso que a unidade da categoria conquistada seja preservada como um patrimônio de todas as correntes. Claro que sem abrirmos mão da democracia e do respeito entre as diferentes opiniões.
Sem uma contraproposta concreta do governo para discutir, não fazia sentido parar a greve. O movimento está forte, tende a crescer ainda mais, e o governo, goste ou não, terá que negociar com os educadores. A base do movimento, em última instância, foi aquela que segurou a greve até agora, embora as direções tenham contribuído para sustentá-la.
Após os informes da direção, foram abertas as inscrições. Um troço meio complicado é este método de inscrição para falar. Geralmente abre-se a fala para 10 pessoas. Umas 20 pessoas mais ou menos solicitam inscrição e a direção escolhe ao belprazer quem serão os 10 a falar. Eis um mecanismo não muito democrático que precisa ser aprimorado.
Mas, justiça seja feita, as principais lideranças da oposição geralmente conseguem falar. Desta vez, pela primeira vez na greve, eu tentei me inscrever. Ao meu lado, João Martinho, que também tentou se inscrever, cantou a pedra: eles vão te chamar porque você está falando pela primeira vez nesta greve. João já havia falado na última assembléia. E não deu outra, depois de umas cinco ou seis pessoas, fui chamado.
Confesso que estava tenso e de garganta seca e minha voz saiu mais fina do que de costume. Logo eu que tenho voz de cantor de ópera! E exatamente na hora de falar, uma senhora desandou a conversar no meu ouvido pedindo para que eu mencionasse na minha fala a situação dos deputados federais que estão peleiteando não trabalhar durante a Copa do Mundo e que não terão o dia cortado como os professores.
Eu disse: tudo bem, minha senhora, se eu lembrar eu falo! Mas, qual o quê! O que me veio à cabeça foram os três eixos da nossa luta - a não demissão de nenhum educador, o não corte do ponto e um aumento de salário. Sem isso, disse, não voltaremos. E disse mais: devemos firmar um pacto entre nós: se algum companheiro em greve for demitido nenhum de nós volta ao trabalho até que ele seja reintegrado. Falei também sobre a mídia vendida, a justiça corrompida e que o governo teria, goste ou não, que negociar com os trabalhadores em greve. Foi isso que eu me lembro que disse, com uma voz, segundo disseram, um pouco, digamos, esticada pela garganta, misto de secura e tensão. Mas, o recado foi dado, tanto quanto os outros oradores que falaram antes e depois de mim.
Mensagem em tempo real
Antes que continue o relato, e como escrevo e olho os e-mails ao mesmo tempo, vou reproduzir aqui uma mensagem que recebi da brava companheira Eliane, aquela mesma, que eu mencionei acima lembram? Diz ela:
"Euler estou comovida pelo que presenciamos hoje na assembléia. Parabéns à todos. O Sindicato está bem articulado, firme nos propositos da classe, colegas coesos e uma manifestção de cidadania e coragem, nunca vista na educação por muitos anos. Este movimento me lembrou uma única manifestação parecida na década de 80. Agora não devemos mesmo recuar com a prova da força do movimento. Parabéns à vc pela coragem e demonstração da conquista, liderança e confiança que nossos colegas depositam na sua força. Palmas por tudo que aconteceu hoje. llllllliiiiiiiiiiiiinnndddddddddddooooooooooo. Bjs no coração.".
Esta mensagem passa a fazer parte do nosso relato. Parabéns a você, companheira Eliane, pela bravura, pela disposição de luta e pelo exemplo que dá aos colegas.
Um dia antes, aliás, Eliane havia dito numa das muitas mensagens que honram este blog, que, se o governo cortasse o seu salário ela não voltava; ia para a Praça Sete com chapéu de palha pedir esmola a mostrar como são tratados os educadores em Minas. É uma guerreira. E é com pessoas com esta disposição de luta que o governo está lidando. São muitos anos de descaso e até de humilhação, com políticas neoliberais, marcadas pela disputa, pela divisão de classe, pela cobrança, pela ameça via avaliação de desempenho, que levaram os educadores de Minas a terem esta reação.
A base do governo estremece na ALMG
Enquanto acontecia a nossa assembléia, novidades ainda estavam por vir. A votação pela continuidade da greve já não era mais novidade. O pátio tremeu quando a coordenadora do Sind-UTE perguntou: quem vota na proposta um, em favor da continuidade da greve, levante a mão. Mãos, bandeiras, gritos, apitos e palavras de ordem de cerca de 20 mil pessoas ecoaram pelo pátio atravessando as paredes da Assembléia Legislativa e provocando reações no interior daquela Casa.
Dois deputados da base governista, Duarte Bechir e Doutor Viana (se não me falha a memória), foram até a mesa pedir para se manifestar. E assumiram publicamente o compromisso de conversar com o governador e pedir para que ele atenda as reivindicações dos educadores. Outros deputados, da oposição, que sempre aparecem nas assembléias, como Padre João, Carlin Moura e Wellington Prado, foram renovar o seu apoio aos trabalhadores em greve.
Ali por perto também, dei de cara com o ex-deputado Rogério Correia, sempre presente nas manifestações dos educadores, ele que no passado participou ativamente da luta dos trabalhadores da Educação. Cumprimentei também o Carlinhos Calazans, que eu conhecia de outra época, num tempo em que a CUT era uma outra CUT, o PT era um outro PT e eu era também um outro Euler.
De volta ao encontro com o pessoal da luta de Vespasiano e São José da Lapa caminhamos para a passeata, já nos posicionando com as bandeiras do sindicato nas mãos. Era só alegria e a certeza de que a luta ia continuar, firme, forte, e que nada ia nos fazer voltar atrás.
A coordenadora Beatriz, ao final da assembléia, chegou a dizer que o governo havia mudado um pouco, na última hora, os termos do compromisso que chegara a firmar com o sindicato, mas que o documento seria analisado depois. A próxima assembléia já está marcada para terça-feira, dia 25.05.
A passeata e o julgamento
Como tem acontecido semanalmente, a passeata dos educadores atravessou quarteirões, perdendo-se de vista o começo e o fim da mesma. Uma coisa emocionante. Todos cantando palavras de ordem: "Se o governo enrola, enrola, não voltamos para a escola", ou "Ehhh sou professor, com muito orgulho, mas sem valor", "1, 2, 3, 3, 5, mil, somos nós que construimos a história do Brasil", o Hino Nacional e até uma marchinha carnavalesca adaptada "Ó quebra, quebra gabiroba, Eu quero ver quebrar, Se piso não sair, não voltamos a trabalhar".
Impressionante o apoio da comunidade, com várias pessoas nos pontos de ônibus batendo palmas e outras, nas janelas dos prédios jogando papel picado. politicamente o governo Aécio-Anastasia tem tudo a perder com essa greve. Mas, a imprensa finge que não vê, enquanto as ruas da cidade são tomadas por milhares de manifestantes com bandeiras azuis.
Ao chegar nas escadarias da Igreja São José, foi realizado um extenso e simbólico julgamento do Governo de Minas Gerais. Com direito a advogado de defesa, de acusação e jurado. O réu, o governo, foi processado pelo crime de não investir adequadamente na Educação, e a sentença, entre outros pontos, condenado a pagar o piso salarial profissional aos educadores. Na minha modesta opinião, com todos os méritos e encantos do evento, ele poderia ter acontecido com menor duração. Mas, tudo bem. A tarde tinha sido bonita demais e alguns minutos a mais nas ruas ocupadas do Centro de BH não fariam mal algum.
E foi assim que terminou a nossa noite. Com todas os grupos de educadores vindos das mais distantes regiões de Minas se dirigindo para seus ônibus, cantando, sorrindo, gritando palavras de ordem, num verdadeiro entusiasmo coletivo, marcado pela confiança na unidade da luta dos trabalhadores em greve.
Não tenho mais a menor dúvida: o governo terá que negociar. E se for inteligente, fá-lo-á o mais breve possível. Pois, nada, ameaça alguma mais, conseguirá alterar a disposição de luta dos educadores em greve. A primeira frase que eu disse na minha fala foi mais ou menos o seguinte: esta, é a mais bonita greve de Minas Gerais!
Nos 40 dias de greve, viva a força dos trabalhadores unidos na luta! Até a vitória final!
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