sábado, 27 de junho de 2009

Universidades paulistas: A UNIVESP e o PDI

Fonte: http://passapalavra.info/?p=7128



A universidade tende a abandonar sua antiga função de mera formadora da elite para formar agora também mão-de-obra especializada e barata. Se o movimento estudantil se coloca contra a universidade elitista do passado e presente, também nega a universidade tecnicista do futuro. Por Felipe Luiz «Guma» [*]


1.- OS DECRETOS SERRA

1.1.O QUE FORAM OS TAIS DECRETOS?

Os Decretos Serra estão envolvidos em um dos maiores fatos políticos ocorridos no Brasil nos últimos anos: a onda de ocupações estudantis que varreu o país no ano de 2007 contra as reformas universitárias, em um contexto internacional de luta contra a precarização da educação. Por Decretos SERRA deve-se entender uma série de atos administrativos tomados pelo então recém-eleito e empossado governador do estado de São Paulo, José Serra. Por meio destes decretos, organizava-se burocraticamente as secretárias de estado, extinguindo uma, criando outras, distribuindo as atribuições de cada secretário e secretaria. Dentre estes decretos, alguns tinham profundas conseqüências para as três universidades públicas do estado, para o Centro Paula Souza (responsável pelas ETEC’s), para as FATEC’s e para a FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

relatorio2a Os Decretos transformavam a Secretaria de Turismo em Secretaria de Ensino Superior (SES), e transferiam para esta todas as funções, direitos, obrigações relativas ao Ensino Superior. Transferiu-se, portanto, da Secretária de Educação para a SES, a USP, a UNICAMP, a UNESP, a FAMEMA (Faculdade de Medicina de Marília), a FAMERP (Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto), a Fundação Memorial da América Latina e o CRUESP (Conselho de Reitores das Universidades Estaduais do Estado de São Paulo). A SES teria como função propor, coordenar e implementar as políticas de estado para com o ensino superior, seja ele público e privado. Além disso, suas ações deveriam estar voltadas para a ampliação do acesso ao ensino superior, ampliando as atividades de pesquisa com caráter operacional, isto é, que possam ser utilizadas mercadologicamente; aumentando o intercâmbio com instituições privadas e públicas; tornando prioritário o ensino profissional, diretamente vinculado às demandas das empresas.

Os Decretos também alteravam a composição do CRUESP, que passou a incluir os três secretários (da Educação, do Desenvolvimento e do Ensino Superior), e tornavam o Secretário do Ensino Superior presidente permanente deste conselho. As contas da universidade foram subordinadas ao SIAFEM (Sistema Integrado de Administração Financeira para Estados e Municípios), sistema de controle público dos gastos da máquina estatal. Serra vedava por tempo indeterminado a contratação de funcionários nas instituições públicas, incluso as universidades. Por último, o governador ainda transferia a FAPESP e o CEETEPS (Centro Estadual de Educação Tecnológica “Paula Souza”) para a Secretaria de Desenvolvimento.

Com estas medidas, Serra subordinava o ensino superior público paulista aos interesses empresariais, pois as universidades públicas deveriam privilegiar a pesquisa para as empresas ao invés da ciência básica, fundamentada na formação integral. Além disso, a gestão financeira das universidades passava a depender do Governo do Estado, que as monitoraria por meio do sistema estadual de controle das contas, o SIAFEM. O Secretário de Ensino Superior atuaria como um super-reitor das três instituições, cabendo-lhe “coordenar e organizar” todo o ensino superior do estado.
Em linhas gerais, Serra retirava a autonomia didático-financeira pedagógica das universidades públicas, desmontando a base da universidade brasileira que segue o modelo francês de ensino-pesquisa-extensão, para torná-la mais próxima do modelo estadunidense das escolas de ensino superior técnico.

relatorio2bOs ataques eram tão graves que, mesmo a burocracia acadêmica, sempre subserviente aos diferentes governos, achou o projeto exagerado. Os reitores foram a público reclamar do ataque à autonomia universitária, os professores mais reacionários se posicionaram contra os Decretos. Diante de tanta pressão, o governador fez seu primeiro recuo: garantiu aos reitores, por meios de ofícios, que a autonomia financeira não estava anulada. Os reitores se contentaram, mas estudantes, funcionários e professores não. Já em março, a reitoria da UNICAMP foi ocupada pelos estudantes, mas, dado uma série de problemas, a ocupação durou poucos dias.

1.2. OS ESTUDANTES RESPONDEM: MOVIMENTO GREVISTA COM OCUPAÇÕES

No dia 3 de maio de 2007, os estudantes da USP tinham uma reunião marcada com a reitora da USP, Suely Vilela, quando discutiriam os Decretos. A reitora não apareceu e tampouco seu vice-reitor, Franco Maria Lajolo. Os estudantes se dirigiram, então, até a reitoria, a fim de conversar com a reitora e ficaram sabendo que ela havia viajado para a Espanha. Indignados com o descaso [desconsideração], eles adentraram e ocuparam o prédio da reitoria da USP, num movimento que durou cinqüenta e um dias! Além de pautas [reivindicações] específicas, exigiam o posicionamento público da reitora sobre os Decretos (a única, dentre os três reitores, que não havia se posicionado publicamente) bem como sua revogação. Foi o início do movimento de ocupações: no dia 13 de maio, a UNESP campus Marília ocupou sua diretoria, data que marca o extravasamento do movimento para fora da USP. Logo, mais de 12 UNESPs eram ocupadas, além da USP São Carlos, e da Diretoria Acadêmica da UNICAMP.

Fora do estado de São Paulo, mais de 50 movimentos estudantis ocuparam suas respectivas reitorias, diretorias e prédios de aula. Houve, ainda, casos em que as universidades não foram ocupadas, mas mantinham-se em uma mobilizada greve. De fato, falava-se em “um novo movimento estudantil”, que se dava por fora das entidades estudantis tradicionais como as UEEs (associações estudantis estaduais) e a UNE (União Nacional dos Estudantes), que se negavam a encampar seriamente esta luta.

Além das ocupações, grandes mobilizações tinham lugar em São Paulo: passeatas na ALESP, pela Av. Paulista, na Cidade Universitária em Campinas, na Cidade Universitária em São Paulo e na Secretaria de Ensino Superior.

relatorio2cA ocupação da USP era o epicentro destas mobilizações. Na ocasião, realizaram-se o Encontro Estadual de Estudantes, o Encontro Nacional e diversas plenárias. As moções nacionais e internacionais de apoio ao movimento chegavam aos montes. A Ocupação da USP tinha, além disso, uma forte produção cultural, com vídeos, textos, palestras, discussões, encontros, etc. Por quase dois meses, o local tornou-se uma das referências para as lutas combativas em todo o estado e país.

O auge do movimento foi uma passeata [manifestação] que ficou conhecida como “Manifestação da Avenida Morumbi”, dia 31 de maio de 2007, onde mais de 15 mil manifestantes se juntaram para exigir o “fim imediato dos Decretos, pela autonomia universitária” e rumaram ao Palácio dos Bandeirantes. Serra mobilizou um enorme contingente policial e manteve os manifestantes afastados da Sede do Governo, causando um enorme congestionamento de carros e ônibus [autocarros], em patente tentativa de lançar a opinião pública contra o movimento.

Na tentativa de desmoralizar a manifestação, o governador, entretanto, um dia antes, havia recuado em suas medidas, valendo de um instrumento jurídico até então inédito na jurisprudência brasileira: os Decretos Declaratórios. Por meio destes, Serra revogava, somente para as universidades, a proibição da contratação de funcionários e professores; revia a composição do CRUESP, voltando a presidência a ser prerrogativa de um dos três reitores; liberava os reitores para fazer as negociações salariais com seu quadro de professores e funcionários, e concedia aumentos se preciso fosse; reconhecia juridicamente a autonomia didático-financeira das universidades, desobrigando-as de privilegiar a pesquisa operacional e a educação técnica, e observando que qualquer política do governo do estado para a educação superior deveria respeitar a autonomia das três instituições públicas.

No entanto, continuaram as universidades a integrar o SIAFEM e a Secretaria de Ensino Superior continuou a existir, completamente esvaziada, no entanto. O movimento levou à queda do então secretário de ensino superior, José Aristodemo Pinotti, ex-reitor da UNICAMP, e à nomeação de um novo, muito mais perigoso, Carlos Vogt, um velho defensor da parceria entre empresas e universidades, como bem revela seu passado de diretor do Instituto UNIEMP (Fórum Permanente das relações universidade-empresa). Vogt foi presidente da FAPESP, durante boa parte dos anos dourados do tucanato neoliberal, sendo uma das correias da política privatista para a educação.

Para os estudantes e funcionários das três públicas, os Decretos Declaratórios ainda eram pouco, e o movimento adentrou o mês de junho. A ADUSP (Associação do Docentes da USP) logo abandonou a greve e deixou de apoiar a ocupação. As faculdades da USP foram retornando da greve, os campi da UNESP também, enquanto outros desocupavam. A tropa de choque invadiu, sob mando de Serra e da burocracia universitária, a ocupação da Diretoria da UNESP de Araraquara. Nem mesmo a ocupação da Diretoria Acadêmica na UNICAMP, já no meio de junho, foi capaz de revigorar o movimento no estado de São Paulo. Esvaziada de apoio em outras universidades estaduais e sindicatos e enfrentando fortes rachas internos, a ocupação da USP terminou com um acordo entre estudantes e reitoria, que garantiu algumas conquistas internas aos primeiros, como a construção de blocos de moradia [residência estudantil] nos campi de Ribeirão Preto e São Carlos.

2. A UNIVERSIDADE VIRTUAL DO ESTADO DE SÃO PAULO – UNIVESP

A derrubada parcial dos Decretos não significou, de modo algum, uma mudança de rumos. Após a derrota, a SES dedicou-se a fazer um censo do ensino superior no estado. E, pouco mais de um ano depois, apresentou seu novo projeto precarizador da universidade pública: a UNIVESP, Universidade Virtual do Estado de São Paulo. A “utilização de meios tecnológicos atuais como forma de aumentar o acesso a educação superior” já estava contida nos Decretos de 1º de janeiro de 2007.

2.1. A ESTRUTURA DA UNIVESP

A ligação entre os Decretos SERRA e a UNIVESP é clara: ao passo que os Decretos legislavam, sobretudo, sob o modo de funcionamento da universidade, a UNIVESP colocará esse modo proposto em prática.

Já no primeiro semestre de 2008 houve a tentativa de criar a UNIVESP: 5.000 vagas de Pedagogia EaD (Ensino à Distância) que seriam oferecidas em agosto do mesmo ano pela UNESP. Como houve alguma resistência, Secretaria de Ensino Superior, a reitoria e SERRA recuaram, mas não desistiram: em dezembro do referido ano, o C.O. (Conselho Universitário) aprovou a oferecimento do curso.

Esse projeto foi proposto, dentro da UNESP, pela PROGRAD (Pró-Reitoria de Graduação). De acordo com a legislação unespiana, todavia, três órgãos da universidade deveriam aprová-lo: Câmara Central de Graduação (CCG), Comissão de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) e, por fim, Conselho Universitário (CO). O projeto entrou em pauta, para ser ou não aprovado pela CCG na última semana de maio. Lá, uma professora da UNESP-Marília, Ana Paula Cordeiro, pediu vistas ao processo, isto é, a interrupção temporária da tramitação do projeto para uma avaliação detalhada. Dia 3 de junho, o projeto voltou a pauta: todos os membros da CCG o aprovaram, com a exceção da profª. Ana Paula. Conforme já dito, o projeto foi aprovado pelo C.O. em dezembro de 2008. Tratado como se fosse um segredo de guerra, os planos para a UNIVESP não foram discutidos nos departamentos ou conselhos de curso, não houve assembléias estudantis para aprová-los. Ainda assim, com uma simples canetada e a portas fechadas, a UNESP, o Governo do Estado e a Secretaria de Ensino Superior passaram a oferecer 5.000 vagas de Pedagogia.

Embora o nome possa sugerir, a UNIVESP não é uma universidade. Pelo projeto, nenhuma sala de aula será construída, nenhum professor contratado, nenhum livro comprado e as aulas presenciais serão ministradas em instalações já existentes (UNESP, FATEC, UNICAMP, ou oferecidas pelas prefeituras). Por meio de convênios com a USP, UNESP, UNICAMP, Centro Paulo Souza (ETECS), FUNDAP (Fundação de Desenvolvimento Administrativo), Fundação Padre Anchieta (TV Cultura) e FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), a Secretaria de Ensino Superior oferecerá cursos semi-presenciais (60% do curso à distância, 40% presencial), com duração de três anos e com diploma assinado pelas universidades públicas do estado. Serão 70 cidades-pólo no estado que oferecerão o curso, e que foram escolhidas de acordo com os dados do IBGE; a seleção dos(as) futuros(as) estudantes será realizada por meio de um vestibular, aplicado pela VUNESP. As universidades públicas fornecerão os professores que ganharão por aula dada.

Além disso, a UNIVESP não possuirá funcionários, plano pedagógico ou autonomia; ela é, sob todos os aspectos, um apêndice da Secretaria de Ensino Superior (portanto do Governo do Estado), que a define e conforma. Há um Conselho Diretivo da UNIVESP, presidido pelo Secretário de Ensino Superior e composto, de outro lado, por representantes das outras instituições-parceiras do Programa. Cabe a este comitê tanto aprovar cursos propostos quanto propor novos cursos, além de garantir o aporte orçamentário das atividades e formular seu enquadramento pedagógico. Em cada instituição-parceira há um Núcleo UNIVESP, que propõe novos cursos, garantindo o andamento do programa no interior da moldura aprovada pelo Conselho Diretivo. Cada pólo do programa — os locais onde se oferecerão as atividades presenciais — terá um monitor, uma espécie de zelador, do pólo e das diretrizes da UNIVESP, e cada turma de cada curso terá um tutor, responsável pela observância das atividades entre os alunos, sendo que os professores serão supervisores dos tutores.

relatorio2dNa prática, cada tutor de sala de aula, com 50 estudantes, fica responsável por anotar questões e rodar os vídeos nos quais os professores exporão os conteúdos; portanto, esta é a parte presencial do curso: ver televisão em grupo!!! Na parte não-presencial, os estudantes verão vídeos em casa mesmo, mais à vontade, e terão acesso a materiais digitais, disponíveis nos chamados Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA), disponibilizados e garantido por meio da TIDIA-AE (Tecnologia de Desenvolvimento da Internet Avançada - Aprendizagem Eletrônica), programa financiado pela FAPESP. Nos AVA serão oferecidos uma série de recursos como textos, artigos, vídeos, materiais didáticos, além da armazenagem de aulas e salas de bate-papo entre alunos, professores e tutores, biblioteca virtual e um tipo de Serviço de Atendimento ao Cliente.

A UNIVESP-TV será um canal aberto de televisão, com transmissão ininterrupta, garantida por meio da TV Cultura, e que repetirá a programação a cada oito horas; a UNIVESP-TV fecha a UNIVESP enquanto programa. Dado os objetivos, o programa conta com três módulos:

O primeiro diz respeito à reciclagem de professores em atividade, o que pode ocorrer de dois modos. Por um lado, a UNIVESP visa atender a grande demanda de profissionais de educação que se formaram no CEFAM até 2005, e que terão a validade de seus diplomas expirada em 2010, necessitando, assim, de formação superior em pedagogia para continuarem exercendo suas atividades como educadores. Portanto, trata-se de oferecer à distância o curso superior em Pedagogia e outro em Ciências, este sob a responsabilidade da USP, aquele da UNESP. Por outro lado, enquanto complemento à formação, o EaD é menos criticável, pois trata de adicionar conteúdos àqueles que já possuem os fundamentos, aqueles que, já graduados, receberão um revigorar na área de sua atuação. Em 2009, já são oferecidas 6600 vagas, todas para licenciatura, sendo 5 mil do curso de pedagogia pela UNESP, 700 em biologia e 900 em ciências oferecidas pela USP.

No segundo módulo, o objetivo não é mais aperfeiçoamento e reciclagem, mas formação de licenciados, isto é, de professores para o ensino fundamental e médio. Por isso, Pedagogia (pela UNESP), Matemática (USP), Biologia (USP), Física (USP), Química (USP) e Língua Portuguesa (USP) serão os primeiros cursos distanciados. Mas é só o começo, pois a burocracia pretende que outros cursos sejam distanciados, como Filosofia e Ciências Sociais, que têm o projeto de distanciação pronto ou em fase de acabamento. Estes cursos oferecem uma formação mais rápida do que aquela presencial; quer dizer, em outros termos, que, sem assistir a aulas, forma-se profissionais mais rapidamente do que ao assisti-las. Este curso proporcionará as estes profissionais, em três anos, o mesmo certificado dos estudantes presenciais, cujos cursos têm duração de quatro anos.

No terceiro módulo, trata-se de distanciar a pós-graduação. Por meio da UNIVESP serão oferecidos cursos de aperfeiçoamento profissional de nível superior à distância. Até o momento fala-se em um curso de Especialização em Docência do Ensino Fundamental e Médio (USP), outro de Especialização em Gestão Escolar (pela UNICAMP) e, ainda, de Gestão em Governo Eletrônico (pela FUNDAP).

2.2. UNIVESP: CONTINUAÇÃO DOS DECRETOS SERRA

O Governo do Estado defende a UNIVESP como medida contra três problemas: contra a pobreza, pois a maior qualificação educacional aumentaria o nível de renda das famílias; como meio de suprir a demanda por mão-de-obra qualificada no contexto da sociedade da informação e de desenvolvimento econômico do país, especialmente do Estado de São Paulo; e contra a falta crônica de professores para o ensino básico e médio nas escolas públicas estaduais.

Um dos objetivos do projeto de SERRA é desmontar o tripé ensino-pesquisa-extensão. Isto significa cindir a universidade em duas categorias: 1) os “centros de excelência”, aos quais caberá promover a inovação tecnológica voltada exclusivamente para os interesses empresariais e; 2) centros de “ensino”, destinados tanto para formação de mão-de-obra para as indústrias e latifúndios, quanto para a formação em massa de professores do ensino médio e de profissionais de que a burocracia de estado necessita.

relatorio2eComo os cursos presenciais não serão extintos, pelo menos por ora, acontecerá uma divisão entre profissionais distanciados e profissionais presenciais. Ora, sendo um dos objetivos a formação de professores para o ensino médio, de fato, ocorrerá um precarização ainda maior da educação pública; os profissionais presenciais serão contratados pelas escolas particulares para dar aulas aos ricos; já aqueles distanciados, serão educadores dos pobres, dos filhos dos trabalhadores, da maior parte da população. Ao menos é o que tudo indica, mas pode ser que, de fato, isto não ocorra: é que já circulam boatos sobre a distanciação do próprio ensino médio e fundamental públicos, como um TELECURSO 2000, só que para crianças.

Aqueles professores universitários que gravarem aulas para a distanciação receberão altos salários e, por isto, muitos o apóiam visando este aspecto financeiro; outros, ainda, apóiam o projeto por estarem política e pedagogicamente de acordo. Talvez não percebam que estão a cair em uma armadilha, que levará, cedo ou tarde, a uma distanciação geral do ensino e à diminuição do número de professores, o que põe suas próprias carreiras em risco. Do mesmo modo, aqueles estudantes que, por alguma ilusão, defendem a UNIVESP também não percebem as conseqüências: se estiverem em cursos de licenciatura, a longo prazo, pode ocorrer mesmo a extinção daqueles presenciais; afinal, também seus filhos, ou netos, terão aulas distanciadas que dispensariam a mediação da profissão do pai.

3. PRIVATIZANDO A UNESP: O PLANO DECENAL DE DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL (PDI)

3.1. BREVE HISTÓRIA DO PDI

relatorio2gO Plano Decenal de Desenvolvimento Institucional é uma proposta de planificação decenal para a UNESP. Seu objetivo é, de acordo com o ex-vice e atual reitor da UNESP, Herman Jacobus Cornelis Voorwald, colocar a UNESP entre as 150 melhores universidades do mundo até o fim de sua vigência. O PDI foi proposto por uma comissão de professores e funcionários constituída pelo C.O. e presidida por Herman. Assim, no primeiro semestre de 2008, foi elaborada a primeira versão do PDI. A Reitoria queria aprová-lo o mais rápido possível, seja porque o ex-reitor Macari queria ter “a honra curricular” de tê-lo implantado, seja porque Herman era então candidato à reitoria e o PDI seria como que sua proposta eleitoral e plano de reitorado.

Mas a própria base político-burocrática da dupla Macari-Herman mostrou-se hesitante ante a aprovação tão rápida de um documento que visava não só reorganizar a universidade, mas fixar suas ações para os próximos dez anos. Então, houve o que burocracia chamou de “discussão democrática” do PDI: ele foi encaminhado às unidades que tiveram alguns poucos dias para discutí-lo. De todo modo, haveria, de um lado, uma “comissão de sistematização das propostas” e, de outro, estas seriam votadas tanto por um Fórum de representantes em Águas de Lindóia quanto pelas Congregações nos campi e — como garantia derradeira — o C.O. votá-lo-ia por último, na mesma proporção da composição dos órgãos colegiados, ou seja, os professores têm 70% dos votos, os estudantes e os funcionários 15% cada setor.

3.2. A POLÍTICA POR TRÁS DO PDI

Três eixos fundamentais no PDI, que não se alteraram em suas tantas versões: a abertura “oficial” ao mercado, a flexibilização da estrutura acadêmico-administrativa e a abertura às tecnologias da informação como meios de formação acadêmica (o ensino à distância) e de gestão administrativa.

As empresas têm cada vez mais que diminuir seus custos de produção e operação, para poderem tornar seus produtos e serviços mais competitivos no rígido mercado mundial monopolista ou no mercado interno brasileiro, onde competem com mercadorias e serviços nacionais e estrangeiros. Isto implica, por um lado, na necessidade de aumento da produtividade (produzir mais a custos sempre menores), de inovação tecnológica e de mão-de-obra mais capacitada e mais barata.

Por isso, as empresas têm imperativos dúbios na ação, pois são impelidas a investir em pesquisa, o que é caro, sem ter seu retorno garantido. O aumento na produtividade está rigidamente ligado à inovação tecnológica e ao agravamento da exploração dos trabalhadores, pois estes terminam por produzir mais (gerar mais lucro aos patrões) pelo mesmo salário.

Ao mesmo tempo, há uma grande pressão das associações patronais (que só tende a aumentar em tempos de crise) para a desregulamentação das leis trabalhistas em favor de contratos coletivos específicos, o que para os trabalhadores implicaria em salários menores, menos direitos e aumento da jornada. Os empresários, os industriais e os latifundiários, malgrado defenderem a não-intervenção do estado na economia, vão buscar auxílio neste, para poderem financiar, com verba pública, sua produção e a capacitação de trabalhadores. É aquele velho mote: “socializar os custos e privatizar os lucros” que guia o capitalismo. O PDI é a mais clara expressão do imperativo econômico para a universidade: coloca a universidade para pesquisar para as empresas, na busca de “fontes de financiamento”; e a põe numa situação de formadora de mão-de-obra qualificada, ainda que o PDI diga garantir a formação mais sólida, a “pesquisa básica”.

Com o aumento de vagas nas universidades por meio do Ensino à Distância, o tucanato [o tucano, um pássaro, é o símbolo do PSDB, o partido do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso] busca dar o troco político a Lula: se o Governo Federal paga vagas em universidades particulares para estudantes de escola pública por meio do PROUNI, o Governo Estadual tem o Escola da Família, que faz exatamente a mesma coisa ao nível estadual; se Lula expande as vagas nas universidades federais por meio do REUNI, Serra elabora seus Decretos, a UNIVESP e o PDI. É que ambos, PT e PSDB, buscam polarizar o país, visando as eleições de 2010. No fundo, no entanto, trata-se do mesmo projeto político, de uma falsa dicotomia.

3.3. PDI: DESMONTE DA UNESP PÚBLICA E DE QUALIDADE

Analisemos os aspectos internos do PDI. O objetivo é uniformizar a UNESP no plano administrativo, dada a estrutura multicampi da universidade. Por meio das metas e das planificações, a reitoria busca garantir a centralidade de seu poder sobre as instâncias locais, diretorias, congregações e departamentos.

Deste modo, postula-se uma série de diretrizes tecno-políticas para a gestão da universidade: aumentar o nível de titulação dos professores, garantir a reposição dos docentes que se aposentam, aumentar as atividades de pesquisa. O PDI trata em diversos pontos de reestruturações, de currículos, cursos, dos meios de formação, etc. Divide-se ainda em seis grandes áreas, onde, em cada uma, são propostos objetivos e ações. As áreas são: graduação, pós-graduação, pesquisa, extensão, planejamento, finanças e infra-estrutura e gestão e avaliação acadêmico-administrativa.

No que tange à graduação, o PDI conta com alguns avanços como, por exemplo, as propostas de integração de cursos diferentes, ou da graduação com a pós, ou a busca por cursos noturnos, que possibilitam a presença de trabalhadores na universidade, ou a busca pela inclusão de portadores de necessidades especiais, ou com a colocação da permanência estudantil como tema institucional, sendo que esta questão sempre foi tratada com descaso e desprezo pela burocracia acadêmica.

relatorio2fNo entanto, os poucos e ralos avanços vêm atrelados a ataques cruéis contra a graduação. Talvez o mais forte seja o Ensino a Distância (EaD). O PDI vê o EaD como forma de resolver a demanda pelo aumento de vagas na universidade, com o menor aumento de gastos possível. De fato, o EaD pode possibilitar o acesso massivo à universidade, mas, resta-nos perguntar, a qual universidade? Será que alguém que assiste à televisão por alguns anos está apto a dar aulas ou a pesquisar algo? Será que, sem a vivência universitária, o acesso a bibliotecas, ao contato direto com professores e com os demais estudantes, a eventos acadêmicos, e outras vantagens, pode-se formar com qualidade um profissional? Nestes termos, vale notar que os cursos que serão “distanciados” são aqueles ligados a licenciatura do ensino fundamental e médio, como Pedagogia, Ciências Sociais, Biologia ou Filosofia. Estes profissionais distanciados terminarão por dar aula nas escolas públicas, para os filhos dos pobres, precarizando, graças a uma formação deficiente, ainda mais a educação pública e comprometendo a plena formação humanística e de qualidade de boa parte dos cidadãos brasileiros, tal qual postula a Constituição de 88. Mas os políticos estão mais preocupados com números, que podem ser utilizados em campanhas eleitorais sem o menor questionamento ou tratamento profundo das questões. Também não podemos nos esquecer das pressões do lobby da indústria das telecomunicações, que é a maior e mais rentosa do mundo, e que lucrará uma fábula com o EaD; além do que, este ramo industrial necessita desesperadamente de uma expansão de mercado que garanta seus lucros estratosféricos, que tendem a cair no mundo inteiro dada a grave crise financeira mundial.

O EaD é a menina dos olhos do PDI, mas há outros pontos, que não deixam de ligar-se a ele. É o caso da flexibilização da formação acadêmica, na chamada “formação intermediária”, que nada mais é que a busca por diminuir o tempo de formação, buscando gerar técnicos superiores, com carga horária diminuída e com um menor salário no mercado de trabalho. Assim, diluem-se os cursos em grandes áreas que garantam uma formação mais geral e mais rápida; depois, especializa-se em uma área ou em outra, como que numa “tecnicização” da formação superior. Devemos entender esta “formação intermediária” no contexto da diminuição dos custos do estado que tanto defendem os economistas e os políticos neoliberais. Outros pontos, como reestruturação de currículos, flexibilização da carga horária e valorização de cursos técnicos são como que decorrências naturais do EaD e da “formação intermediária”.

O PDI também enxerga a pós-graduação, antes de qualquer coisa, como meio para captar recursos. Como a pesquisa se concentra nesta área, isto implicaria na universidade pesquisando, sobretudo, com vistas à obtenção de patentes, ou seja, de novas tecnologias, teorias ou produtos. Embora seja dito expressamente que não haverá prejuízo à pesquisa básica, uma análise mais detida mostra como é enganosa tal colocação. Se a pesquisa deve ser focada na captação de recursos e na inovação tecnológica, não terá privilégio aquela que pode render mais lucros, isto é, aquelas tecnologias, aqueles temas científicos e produtos de que os capitalistas mais necessitam? Tanto é assim que o PDI se coloca enquanto ação de fomento às incubadoras de tecnologias, a versão high-tech das incubadoras de empresas, visando não outra coisa senão a coadunação entre empresas e universidade.

Assim, mestrados profissionalizantes são citados como algo estimularia a extensão universitária, concebida igualmente enquanto captora de recursos. Visando o barateamento da formação, nem mesmo a pós-graduação e a extensão estão livres do EaD, tido como meio de integração dos diversos programas de pós e da sociedade com a universidade. Como a sociedade não é una, coisa homogênea, resta saber qual parcela social PDI visa integrar por meio do EaD.

Tudo isto leva a uma degradação das condições de ensino e da formação acadêmica, no sentido de rebaixar o ensino superior ao nível de um colégio técnico, por uma dupla abertura: às camadas populares, ludibriadas por seu diploma e pelo “nível superior”; e ao mercado, que terá nas universidades os seus departamentos de pesquisa.

Na questão administrativa, o PDI propõe transformar a universidade em uma empresa. As atividades deverão ter pesadas, em sua avaliação, a relação custo-desempenho; as tecnologias da informação deverão, nesse sentido, ser pensadas como meios de diminuição de custos. Perguntamos: como medir essa relação em um curso de filosofia, de ciências sociais, de história, de artes? Os cursos que tiverem um déficit relacional serão fechados? Por outro lado, e mantendo a linha já exposta, fala-se em uma política de captação de recursos, tanto governamental como extra-governamental, isto é, empresarial. São formas atenuadas de privatização da universidade, pois é a iniciativa privada assumindo o papel do estado, regulado, garantido e imposto por leis.

Haverá menor controle sobre quais parceiros a universidade elege, sobre contratos ou convênios. As fundações, por exemplo, que dominam boa parte das universidades públicas, têm se envolvido em fenomenais processos de corrupção, como aquele da UnB, em 2008, quando o reitor comprava, por meio de uma fundação, lixeiras folheadas a ouro e saca-rolhas de mais de mil reais - tudo financiado com dinheiro que deveria ser destinado à pesquisa. É isto que significa, na prática, a desburocratização e a simplificação dos procedimentos acadêmicos.

De modo algum significará maior democracia na universidade, maior participação dos estudantes, dos funcionários e da comunidade. Quer o PDI uma reforma estrutural completa na universidade: redistribuição de funções dos órgãos colegiados como o C.O., as Congregações, os Departamentos ou os Conselhos de Curso. Ou seja, quer acabar com a já irrisória participação dos estudantes e dos funcionários nos processos decisórios e eleições cargos administrativos.

A universidade tende a abandonar sua antiga função de mera formadora da elite para se voltar agora às camadas populares, formando também mão-de-obra especializada e barata. Os Decretos Serra, o PDI, a UNIVESP, a expansão de vagas etc., são todas expressões deste apelo, deste chamado irresistível à universidade. Tal mudança não se opera do dia para noite, mas é processual, aos poucos, grão por grão. Se o movimento estudantil historicamente se coloca contra a universidade elitista do passado e presente, também nega a universidade tecnicista do futuro. Não é esse tipo de abertura que defendemos, não é uma abertura ao mercado, mas a abertura aos problemas, anseios e expectativas das classes populares deste país. Portanto, o movimento estudantil não é reacionário, como querem alguns professores paulistanos com o pé na tumba. Ao contrário, é a burocracia acadêmica a reacionária da história, pois as mudanças que defendem são o “ouro-de-tolo”, mudança leviana, rearranjo de superfície. Nós, estudantes, defendemos uma mudança de fato, radical: transformação da gestão (paridade ou proporcionalidade), mudança de composição da universidade pública, mudança de meios e fins de pesquisa; e não o aprofundamento e generalização de uma lógica e de práticas já dadas.

Há, no PDI, uma forte vontade de descaracterizar a UNESP enquanto universidade pública, se entendermos que com isso seus esforços estarão para os interesses de algumas empresas PRIVADAS. Como falta a todos os políticos do país a coragem para privatizar as universidades (medida extremamente impopular) para que estas gerem lucros a alguns empresários da educação, eles fazem com que elas gerem lucros sem necessariamente privatizá-las, mas privatizando suas linhas de pesquisa, seus currículos acadêmicos, seu modo de ação, sua concepção, sua gestão, etc.

Enquanto milhares de pessoas morrem em decorrência de doenças tropicais como a dengue e a malária, a UNESP de Jaboticabal pesquisava o “peitão de frango” para a PERDIGÃO - pesquisa dirigida pelo ex-reitor da universidade, Marcos Macari, especialista em criação de aves. Enquanto milhares dormem ao relento ou pagam altas quantias por um aluguel, a UNESP, ao invés de pesquisar meios para o barateamento de materiais de construção, se dedica na busca de pesticidas contra uma praga (Xylela fastidiosa) que ataca os laranjais paulistas, ligados, não por acaso, a uma das maiores multinacionais do país, a CUTRALE S.A., a empresa líder no ramo. Enquanto as enchentes são problema crônico da população brasileira mais pobre, a UNESP integra o projeto “genoma da cana-de-açúcar”, ao invés de encontrar meios de cessar essas tragédias sazonais. São apenas alguns exemplos de como a UNESP é pública somente no nome e na fonte de financiamento.

[*] Do Diretório Central dos Estudantes “Helenira Resende” da UNESP-FATEC

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