quarta-feira, 3 de junho de 2009

Verdades de um professor

Fonte:
http://diariodoprofessor.com/2008/11/30/carta-aberta-a-futura-secretaria-de-educacao-do-rio-de-janeiro-claudia-costin/

Veja o discurso dessa senhora, que está em consonância com os ideais dos políticos e corporações midiáticas do Brasil e especialmente em São Paulo, criminalizando o professor pelos erros do Estado.


A Sra. Claudia Costin foi Secretária de Estado da Cultura do Rio de Janeiro.
Não deixem de ler.



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Carta aberta à futura Secretária de Educação do Rio de Janeiro,Cláudia Costin

Por Declev Dib-Ferreira, em Brasil – país dos absurdos, Desabafo, Educação, Opinião, Política,

Reflexões
Prezada Cláudia,

Sou funcionário do município do Rio, professor de Ciências.Tenho este cargo por mérito próprio, por passar em um concurso, há quase 5 anos - não tenho cargo por indicação política. Li uma matéria com uma entrevista sua no O Globo, dia 08 de novembro de 2008, página 18. Na ocasião, algumas frases e propostas me chamaram a atenção. Tanto pela inocência quanto pela maldade das mesmas. Gostaria de, mui respeitosamente, discutir alguns pontos.

Vejamos: 1 - Você diz que pretende "investir na qualificação de professores, que poderão ganhar computadores portáteis".

Eu agradeço muito o computador, porque estou precisando, pois o meu pifou. Mas isso, sinceramente, não creio que seja investir na qualificação do professor. Já tive a oportunidade de escrever sobre isso por aqui, quando da mesma compra pelo Estado. Tenho um amigo que ficará com 5 computadores portáteis em casa e não sabe o que fazer com tantos. Ele e a esposa são professores, ambos do Estado e da prefeitura do Rio. Já tinham um, ambos ganharam do Estado e ambos ganharão da prefeitura.

Professores, cara futura secretária, querem salário decente. Com ele podem comprar seus próprios

computadores. E muitos já o fizeram, pois o preço baixou bastante. Eu mesmo ia comprar um - como eu disse, o meu pifou - mas não vou. Estou esperando ganhar. Mas preferia um bom aumento de salário para

comprar o que eu próprio escolhesse e ainda aumentar minha renda.

2 - Você faz uma pergunta: "Por que uma cidade que tem tantos mestres e doutores de qualidade não consegue fazer um Ideb compatível com os de países desenvolvidos? ".

O Demétrio Weber já respondeu, mas eu insisto em te responder esta pergunta também. E o principal motivo é simples: porque mesmo sendo mestres ou doutores de qualidade, temos que trabalhar em dois, três, quatro ou mesmo em cinco lugares diferentes para poder somar renda e ter um salário "compatível com os de países desenvolvidos" !!! Sem contar as condições em que trabalhamos, secretária, que nem de longe é "compatível com os de países desenvolvidos" . A pergunta deveria ser ao contrário: "por que não tratamos como os países desenvolvidos os nossos tantos mestres e doutores de qualidade?".

3 - Por fim, sua maior pérola, a frase "Quando um aluno é reprovado, é sinal que o professor falhou".

Fico muito, muito, muito apreensivo que uma pessoa que tenha este pensamento venha a coordenar a maior rede municipal da América Latina. Para facilitar o entendimento da minha lógica - que pode ser muito profunda para quem nunca entrou numa sala de aula do ensino fundamental de uma escola encravada numa favela - farei um paralelo com o médico. Imaginemos uma pessoa que desde que nasceu não tem cuidados médicos, não se cuida, não faz exercícios, não se alimenta direito, bebe, fuma, é sedentário, estressado etc. Essa pessoa passa mal e vai ao médico... O médico receita remédios e faz uma série de recomendações dizendo que, se não as seguir, ele pode morrer. O doutor marca uma nova consulta para daqui a alguns meses, para verificar o seu progresso. A pessoa não fez nada do que o médico receitou e ainda faltou à consulta. Passa mal de novo e vai ao médico. O doutor dá uma bronca, faz as mesmas recomendações, passa as receitas novamente, marca uma nova consulta. O paciente, mais uma vez não faz o que o médico manda e morre. O médico falhou? Pela sua lógica, "quando um paciente morre, é sinal que o médico falhou". Ou será que neste caso a senhora achará que o culpado é o paciente, já que o médico fez o possível para salvá-lo. Será que o professor também não o faz?

Mas vamos examinar o nosso caso, por partes e desde o início.

a) quando a criança foi concebida, quem falhou foram os pais, que souberam gozar, mas não evitar a gravidez;

b) quando a moça estava grávida falharam ela, o pai, a família e o Estado, que não deram a ela e ao feto um pré-natal decente - ou mesmo um pré-natal;

c) quando ele nasceu e era um bebê cheio de necessidades falharam os pais que colocaram no mundo uma criança sem ter condições mínimas de criá-lo e falhou o Estado em não dar a ele o que necessitava para seu pleno desenvolvimento;

d) quando ele era uma criança falhou o Estado mais uma vez por não oferecer a ele a pré-escola, tão importante no desenvolvimento intelectual e psicomotor nesta idade. Não obstante,este ser um direito garantido pela Constituição Federal: Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;

e) nesta mesma idade e até tornar-se o adolescente ao qual a senhora se refere - aluno do fundamental - falham o Estado, as polícias, os bandidos, os filhinhos de papai, os atores da Globo, os artistas e todos aqueles que usam drogas, ao condená-lo a viver em um local extremamente violento, com disputas entre facções rivais, com invasões desumanas de policiais em suas casas e um cotidiano de estatísticas piores que de guerras;

f) quanto à sua moradia, falham os políticos filhos da puta, o Estado, o empresários, os> especuladores, por fazê-lo viver em submoradia, sem o mínimo de conforto, sem espaço para ele, com uma densidade demográfica japonesa dentro de sua casa;

g) falham os publicitários que mentem para que ele não seja ninguém se não tiver o que ele não pode ter;

h) falham as emissoras de televisão ao entrarem diariamente em contato> com ele com imbecilidades que não ajudam em nada seu intelecto;

i) falham os empresários de ônibus que o restringe de andar pela cidade por conta do preço da passagem e do péssimo serviço que oferecem;

j) falham os locais culturais que são inacessíveis a ele (inacessíveis financeiramente ou mesmo culturalmente) ;

k) falha a sociedade como um todo que o quer longe;

l) falha a estrutura da escola que só o tem em um pequeno período do dia, deixando-o nas ruas no resto das 24h;

m) falha o Corpo de Bombeiros que carrega bandidos carnavalescos desfilando em carro aberto pela cidade, ao mostrar que quem tem valor é quem tem dinheiro, não importa de onde vem;

n) falham os jornais de grande circulação que estampam nas primeiras páginas, praticamente todos os dias, as fotos e colunas de fofocas de traficantes e outros bandidos - inclusive tenho um O Dia que tem a primeira capa toda falando do casamento de um traficante - glorificando quem é bandido, mostrando a ele que esse é o caminho;

o) falha o Conselho Tutelar ao superproteger mesmo quando fazem merda, nada fazendo e não mostrando que além de direitos também tem obrigações;

p) falham as editoras de revistas que só colocam a preço de quase nada as revistas mais imbecis que existem, com fofocas e coisas do gênero; Enfim, apesar de a Constituição prever que "A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade" (Art. 205), a senhora vem me dizer que "quando um aluno é reprovado, é sinal que o professor falhou"? Francamente. É justamente o professor que está lá dentro, cara futura secretária de educação, com o aluno, diariamente, tentando fazer com que ele estude, com que ele dê valor ao estudo, com que ele aprenda! O professor é praticamente o único que quer que ele seja alguém pela educação; o professor que luta contra toda a merda que a sociedade faz com ele desde antes dele nascer, para que ele se salve.

Veja, o que diz a Constituição Federal: CAPÍTULO II - DOS DIREITOS SOCIAIS Art.. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Quais destes direitos o Estado - do qual você tem íntima relação, a ver pelos cargos que já ocupou - oferece ao aluno - e com qualidade? Quase nenhum, né? E você vem me dizer que é o professor que falha, como se só o que fazemos em sala de aula é o que conta, é o que faz um aluno ter sucesso ou não??? Francamente.

Assinado: Um professor mestre, doutorando que tem diversos empregos e luta para que seus alunos possam superar toda a sujeira, que a sociedade faz com eles, para que possam ser alguém na vida e que, justamente por se sentir incapaz de fazer isso com o que o Estado lhe oferece, não acredita em reprovação.

Declev Reynier Dib-Ferreira

2 comentários:

Declev disse...

Olá,

Este texto é meu, oriundo de meu site: http://diariodoprofessor.com.

Você deve tê-lo recebido por email, mas solicito a colocação de parágrafo logo no início, indicando e ligando a fonte e o autor:

Declev Reynier Dib-Ferreira
http://diariodoprofessor.com/2008/11/30/carta-aberta-a-futura-secretaria-de-educacao-do-rio-de-janeiro-claudia-costin/

Obrigado,

Declev

educador que não se cala disse...

Colocada a devida fonte colega!