segunda-feira, 22 de junho de 2009

José de Abreu: A arte nacional pertence ao povo

Fonte: http://www.vermelho.org.br

A arte nacional pertence ao povo. A conclusão é do ator José de Abreu, com a bagagem de quem possui mais de 40 anos dedicados à dramaturgia brasileira. Nascido em Santa Rita do Passa Quatro (SP), foi na capital paulista que o estudante de Direito da PUC-SP estreou nos palcos com Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, em 1967.


Militante do movimento estudantil, lutou contra a ditadura militar e teve sua carreira interrompida após ser preso no Congresso de Ibiúna. Exilado em 68, retornou ao país em 1974, passando a morar, inicialmente, em Pelotas (RS).

Nesta entrevista, concedida a José Dirceu, o ator de cinema, teatro e televisão explica o seu ofício e como se prepara na construção de seus personagens. Também aponta as dificuldades que cerceiam a produção artística hoje no país e garante, com a experiência de suas viagens, que um expressivo número de cidades brasileiras já contam com pelo menos um teatro.

Sobre as mudanças propostas à Lei Rouanet, Abreu critica a atual forma de captação de recursos e afirma que "na prática, 80% ou mais dos projetos, embora aprovados e com autorização, não conseguem captar um tostão. Quem consegue captar é gente famosa ou amigos dos empresários".

O guerrilheiro das artes neste país também fala - e gosta - de política. Apóia a candidatura da ministra Dilma Rousseff, critica a polarização da mídia e nos conta sobre a experiência de vivenciar personagens históricos como seu recente papel de Juscelino Kubistcheck no filme "Bela Noite para Voar".
(...)
Você falou sobre alterações na Lei Rouanet. Qual a sua opinião sobre as propostas e as mudanças em estudos? Quais os pontos positivos e os inconvenientes? Como o mundo da cultura está recebendo isso?

É muito difícil. Veja só a história da regionalização da cultura. Quando fugi da ditadura, fui parar em Pelotas. Eu produzi teatro no Rio Grande do Sul durante dez anos e vou te dizer: você pode fazer o melhor produto cultural no RS, e vem o pior do Rio e de São Paulo, e você perde a concorrência.

Você pode montar uma peça com 20 atores, passar um ano ensaiando, belos músicos e cenógrafos, um texto de peso, um Brecht, uma baita produção e estrear num teatro em Porto Alegre, com um grupo gaúcho. Vem uma pessoa qualquer da Globo com um monólogo vagabundo, e aí não tenha dúvidas, vai lotar o teatro com o monólogo vagabundo.

O que acontece na Lei Rouanet? O que se diz é que Rio e São Paulo pegam de 80% a 90% do incentivo fiscal. Agora, o desconhecido do Rio e de São Paulo continua não pegando, assim como o desconhecido do Piauí. Mas o conhecido do Piauí pega porque um bom cineasta, um bom escritor, um bom pintor do Piauí vão conseguir patrocínio nas empresas do Piauí. Mas o desconhecido de São Paulo e o do Piauí não vão. Essa é a questão do regionalismo.

Outra história é a seguinte: a Lei Rouanet deu para o diretor de marketing da empresa o direito de escolher o que ele vai patrocinar. O governo quer ter uma parte nessa escolha através do Fundo Nacional de Cultura. Esse Fundo é o restolho, o que sobrou do patrocínio, mais o dinheiro que o governo federal bota nele. Por exemplo, eu consigo um patrocínio de R$ 500 mil para fazer um filme e gasto R$ 400 mil - R$ 100 mil vão para o Fundo Nacional de Cultura. Eu captei pra mim, não precisei, então devolvo e é esse dinheiro que vai para o Fundo.

O que o ministro Juca está propondo é um critério artístico para patrocinar. Por exemplo, um critério óbvio é que o Cirque de Soleil não precisa de R$12 milhões do Bradesco. Isso é óbvio. E custa caro! Mas aí, (a analisar por aí) você vai chegar nas estatais de São Paulo que captam 80% da Lei Rouanet - vide Orquestra Sinfônica e várias entidades que entram na Lei Rouanet, embora o Estado tenha uma lei própria e possa bancar a Orquestra. Mas, captam pela lei federal.

Devíamos ter duas maneiras de fazer a captação. Do jeito que está é impossível. A Funarte gasta tudo o que ganha enxugando gelo. Se o prefeito da minha terra, ou o de Santa Rita do Passa Quatro resolver fazer uma biblioteca ou o cara da banda resolver comprar instrumentos, ele faz uma Lei Rounet. E pensa que uma vez aprovado (enquadrado) na Lei, o governo já vai dar dinheiro para ele.

A maioria dos caras não sabem que é depois da aprovação (enquadramento) na Lei Rouanet que ele tem que captar o dinheiro. Na prática, 80% ou mais dos projetos, embora aprovados e com autorização, não conseguem captar um tostão. Quem consegue captar é gente famosa ou amigos dos empresários.

A Funarte gasta quase toda a verba analisando projetos. Contrata técnicos que fazem a análise de cada projeto, um por um e de todas as especializações. Eles analisam projetos que sabem que não vão captar, mas é uma democracia. Se estiver dentro da Lei, direitinho na planinha...

Se a análise técnica for aprovada, volta para o Ministério que publica no Diário Oficial – e o Ministério é obrigado a aprovar todos os que cumpram as exigências da lei. Aí o cara vai captar e descobre que vai começar o seu trabalho.

Frente a isso, e porque o Ministério sabe quem capta, fizemos um banco de produtores para ver se conseguirmos passar isso à frente. No ano passado houve um tráfico tão grande de projetos que o Ministério não tinha capacidade para liberar.

Como fazer? Você vai proibir que as pessoas façam projetos? Claro que não. Agora, o Juca [Ferreira] além da análise técnica, quer fazer a avaliação artística, no sentido do artístico-cultural - ou seja, decidir, “esse projeto interessa ao povo brasileiro? Esse projeto merece ter dinheiro do povo?”

O mesmo critério que deveriam ter as empresas que tomam as decisões (de patrocinar o projeto).

Não. Na verdade, as empresas que tomam a decisão querem o contrário do que quer o governo. O governo quer que o não famoso e o regional tenham condições de captar; e ao conseguir, que faça o ingresso a R$ 10,00 e não a R$ 50. Já o empresário, pelo contrário, seu interesse é a visibilidade que ele terá com a marca. Esse é o seu retorno.

Normalmente, se o projeto é bom, se ele está bem estruturado em termos da produção em relação à divulgação, se o elenco é bom, se o livro é bem escrito, se o músico for competente, se o artista tem tradição e não vai dar mancada, o empresário patrocina. O ponto de vista do empresário é muito diferente do ponto de vista do governo. O empresário quer botar a sua marca no jornal e na cabeça das pessoas que vão ver a peça, compram o livro ou ouvem a música. Já o governo quer que esse dinheiro volte para o povo de alguma maneira.

Qual balanço você faz desses seis anos de governo Lula na área da cultura?

O Gilberto Gil conseguiu dar uma dimensão muito maior para o Ministério da Cultura, pela sua presença pessoal. Sem falar que era um ministro artista. Ele cantava nas manifestações políticas. Agora, uma das falhas do PT (e isso desde o começo do partido) é que a questão cultural não é uma coisa...

Lembro-me que teve um ano em que o PT ganhou muitas prefeituras. O [Paulo] Betti, o [Sérgio] Mamberti e o Wagner Tiso fizeram um documento a todos os prefeitos do país, para organizar secretarias de cultura e tal...

E não tiveram retorno. Agora, o acerto foi ter botado o Gil (no ministério) e agora o Juca, que está fazendo um trabalho muito bom de discussão da Lei Rouanet. Há muito tempo não se discute a Lei. Não tem mais reunião de classe.

No começo do governo houve a tentativa de mudar os critérios e inventaram aquela história do “stalinismo” (acusação), mas antes que deixassem o debate evoluir, o governo recuou. E só depois descobriram que estava bem dividido. Essa discussão foi logo no começo da gestão Lula, pegava pontos como critérios da publicidade para distribuir patrocínio. Esse debate que o Juca está fazendo foi cortado lá no começo, com a pressão da mídia.

Sim.

Você exercita o ofício de ator em diversos campos da arte: cinema, teatro, televisão. Quais as diferenças e o que pode ser melhorado em cada um desses meios para o trabalho do ator, e para estimular o público a ir ao teatro e a ver filmes brasileiros, por exemplo?

O teatro é a presença ao vivo. Eu decoro uma cena de televisão em cinco minutos, mas uma cena de teatro, eu demoro um mês. Não sei o porquê. Medo de errar? No teatro, tem peça que eu lembro até hoje; já na televisão, você acabou de fazer a cena, vai trocar de roupa e se o cara disser “tem um problema”, você tem que responder “me dá o texto de novo porque apagou”. Gravou, apaga. É memória volátil. No teatro, você demora muito para decorar e nunca mais esquece.
(...)

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